Curitiba pode ter inundações como as de Porto Alegre? Entenda cenário

As inundações que atingem o Rio Grande do Sul (RS) deixam um alerta para o risco que fortes chuvas podem trazer para as cidades. Diante deste cenário, o Massa News conversou com especialistas para entender se, caso Curitiba fosse afetada por volumes parecidos de chuva, os estragos teriam a mesma proporção.

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Porto Alegre, 03/05/2024. Foto: Gilvan Rocha/Agência Brasil

Dados das estações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) indicam que, de 26 de abril a 23 de maio, choveu 547 mm em Porto Alegre, afetando mais de 157 mil pessoas. Deste volume, 384 mm foram registrados somente até 5 de maio, considerado o dia mais crítico – quando o nível do lago Guaíba atingiu o recorde histórico de 5,35 metros, mais de três metros acima da cota de inundação. A média histórica de chuva para o mês de maio na cidade é de 113 mm.

E se Curitiba fosse atingida pela mesma quantidade de chuva, a cidade teria os mesmos riscos de inundações e alagamentos que a cidade gaúcha? Para o geógrafo e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Francisco de Assis Mendonça, a proporção seria bem diferente.

Mendonça explica que as chuvas no Rio Grande do Sul foram causadas por uma “completa anomalia do tempo”, um fenômeno que se teve registro pela última vez em 1941, na enchente histórica de Porto Alegre.  

“Agora o grande bolsão de ar quente que está dominando o Brasil central até o Sudeste e o norte da região Sul, impede que essas massas muito úmidas cheguem até aqui, e por isso elas estão se concentrando no Rio Grande do Sul”.

Segundo o professor, essa anomalia também poderia ocorrer em Curitiba e no Paraná, mas os impactos seriam bem menores devido às diferenças topográficas entre as capitais. Enquanto Porto Alegre e região situam-se em uma região muito plana e rodeada pelo Lago Guaíba, em uma área de baixo relevo e apenas a 10 metros do nível do mar, o mesmo não acontece na capital paranaense, permitindo que a água escoe mais rapidamente.

“Curitiba e Região Metropolitana não tem a mesma configuração geográfica, não tem o mesmo relevo, e não tem essa grande área de espraiamento de águas, como é o caso do Lago Guaiba e também da Lagoa dos Patos. Então [essa quantidade de chuvas] aqui provocaria muitos problemas, mas de longe não tão impactantes quanto foram aqueles da região metropolitana de Porto Alegre”, afirma.

Foto de satélite mostra o Guaíba e a área alagada na região metropolitana de Porto Alegre. Foto: ICICT/Fiocruz

Mas e os rios de Curitiba, não poderiam também causar grandes inundações? O geógrafo Murilo Noli, mestre e doutorando em Gestão Urbana, explica que além da questão das diferenças do relevo nas duas cidades, a posição que Curitiba está em relação aos vários rios da capital também influencia para que a água não acumule em determinados locais.

“Curitiba está naquilo que nós chamamos de parte à montante da bacia hidrográfica do Alto Iguaçu. Isso significa que Curitiba está na parte das nascentes e que toda a água que vai acontecer nesta área tende a escoar com mais facilidade, porque se o rio está a montante, ele naturalmente vai seguir o caminho e ir para a jusante, que é o termo que nós utilizamos para dizer que é a parte final de um rio até o momento em que ele vai chegar na foz”, diz.

Esta característica é contrária à de Porto Alegre, que está próxima à foz de grandes bacias hidrográficas e por isso a água tende a acumular mais.

Que bairros de Curitiba sofreriam mais com inundações e alagamentos?

Mesmo estando em uma posição geográfica menos propensa a grandes inundações em comparação com Porto Alegre, os dois especialistas ouvidos pelo Massa News afirmam que a capital paranaense também teria problemas caso recebesse a quantidade expressiva de chuva que Porto Alegre registrou em pouco período de tempo.

Os problemas seriam diferentes nas regiões da capital. Enquanto a parte norte de Curitiba geograficamente apresenta menos riscos de sofrer com inundações e alagamentos, a situação é contrária na área mais ao sul e leste, para onde escoam os rios, segundo o geógrafo Murilo Noli.

“A parte norte da cidade é mais propensa à questão dos deslizamentos, enquanto as áreas ao sul da cidade de Curitiba, principalmente da parte da Linha Verde para baixo, estão muito mais suscetíveis e vulneráveis às questões de inundações e alagamentos”, afirma o geógrafo Murilo Noli. “E é justamente nesta parte que a gente consegue ver que existem normalmente as áreas mais vulneráveis socialmente e economicamente”.

O professor Francisco Mendonça afirma que estas regiões historicamente costumam sofrer quando a cidade registra chuvas acima dos 100 mm.

“O Cajuru é um dos bairros de maior ocorrência desse tipo de evento. Também partes do Prado Velho, do Guabirotuba, do Uberaba, do Hauer, Boqueirão, que tem cursos hídricos que estão ao longo dos rios”.

Um estudo realizado pela própria Prefeitura de Curitiba em 2020, o Plano Municipal de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas, mapeou as áreas de maior risco da cidade em relação a alagamentos e inundações, considerando fatores como potencial de ameaça climática e vulnerabilidade dos bairros da cidade.

Além dos bairros já citados, o Centro da cidade também apresenta riscos caso seja atingido por fortes chuvas, como mostram os mapas abaixo:

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Fonte: Avaliação de Riscos Climáticos da Cidade de Curitiba
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Fonte: Avaliação de Riscos Climáticos da Cidade de Curitiba

Como Curitiba deve se preparar para as mudanças climáticas?

Em Curitiba, algumas ações são realizadas pela administração municipal para diminuir as consequências das fortes chuvas. Os parques Barigui, São Lourenço, Bacacheri, Tingui e Atuba drenam as águas dos principais rios da cidade para evitar inundações em outras áreas da capital.

Parques lineares no Cajuru (bairro Cajuru), Mairi (na divisa da CIC e Fazendinha), Mané Garrincha (CIC) e Yberê (Campo de Santana) também têm a mesma função.

A Prefeitura de Curitiba ainda afirmou ao Massa News que está realizando grandes obras para reduzir a possibilidade de alagamentos.

“Ao todo são 30 obras de macrodrenagem, sendo que 16 delas foram iniciadas e concluídas em um ano (2018). Neste momento, as obras ocorrem em seis bacias hidrográficas: rios Passaúna, Belém, Barigui, Atuba, Iguaçu e Ribeirão dos Padilha, que passam por bairros como Boqueirão, Hauer, Uberaba, Rebouças e Centro, Cajuru, Tarumã e CIC”, diz a Prefeitura.

Mas para o geógrafo Murilo Noli, outras ações de prevenção a desastres climáticos precisam ser reforçadas na capital. De acordo com Noli, uma delas é melhorar o sistema de drenagem no Centro de Curitiba, onde alagamentos são comuns em dias de chuvas fortes.

“Hoje em Curitiba, se a gente retirar todo o concreto e asfalto, a gente vai verificar inúmeros rios que estão embaixo da cidade. E os sistemas de drenagem são antigos, principalmente na área central, que é a parte mais antiga.  Eles foram modelados para suportar as chuvas da época em que eles foram projetados, e isso não significa que estes sistemas de drenagem irão suportar as chuvas que devem se tornar frequentes, intensas e com curto período de duração”, afirma.

O geógrafo também afirma que soluções usadas pela Prefeitura, como canalização de rios que estão ocorrendo atualmente nos bairros Fazendinha e Parolin, são consideradas ultrapassadas por especialistas que defendem soluções baseadas na natureza. Até mesmo a drenagem dos parques, segundo Noli, é limitada.

“Embora os parques exerçam uma função extremamente importante na cidade, quando a gente vai pensar em grandes volumes de chuva, tem que pensar que os parques também têm um limite de suporte, ou seja, o solo que está ali tem um limite de saturação, existe um limite que esse solo é capaz de suportar a infiltração da água”.

Parque Barigui alagado em outubro de 2023. Foto: Ricardo Marajó/SMCS

Tomando por exemplo a tragédia no Rio Grande do Sul, o professor Francisco Mendonça defende que esse tipo de ação deve ser feito o mais rápido possível pelas cidades, mesmo que elas demandem grande valor de investimento.

“Hoje está correndo pela internet todo um conjunto de iniciativas que a China e Japão, por exemplo, têm feito de áreas de estocagem de água nas áreas centrais das cidades, criar verdadeiras bacias nos centros urbanos, mas subterrâneos, de acúmulo da água”, afirma. “Muitos falam que é caro, mas o que é mais caro: perder imóveis e perder a vida humana, perder bens, ou gastar e investir em uma quantidade de recursos financeiros que possa proteger desses grandes impactos?”, questiona.

Pesquisador e articulador do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Emergências Climática do Paraná, Mendonça conclui afirmando que o momento de ouvir especialistas e prevenir desastres climáticos.

“Eu fico na expectativa e imaginando esperançoso que a prefeitura da nossa cidade, todas as prefeituras do estado, se alertem mais e tomem decisões não só no sentido de promover a conscientização da população, mas sobretudo que elas tomem essa consciência e desenvolvam medidas de ações preventivas. É um dever delas, e é dever dos cidadãos cobrar essas ações”, diz.

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