Imagino a imensidão que estava à sua frente, as irregularidades dos penhascos, os diferentes tons de verde que se estendiam no campo, um céu amplo e azul com a intensidade do sol em seu centro. Imagino elevando a cabeça aos céus, uma lágrima escorrendo em seu rosto, a dor percorrendo seu corpo e, mesmo ali, mesmo naquela situação, alguma espécie de alegria.
Mas não se trata de uma alegria como imaginamos, uma alegria por enfrentar as pedras do caminho, de pisá-las mesmo com suas pontas afiadas, por ser digno do combate, de superar as dificuldades, de caminhar ao lado da justiça e do bom, de cumprir o dever.
Não parece que foi assim. Sua felicidade, naquele instante, no momento preciso em que diz a célebre frase ‘Pai, perdoa-lhes pois eles não sabem o que fazem”, era de outra substância, uma que em poucas vezes, ao longo da vida, nós a percebemos.
E ela é estranha de se pensar. Sinceramente, esse tipo de felicidade não parece ter sido feito para nós. É tão diferente de nosso mundo, tão revolucionária em suas qualidades que assusta. É disruptiva, contrária ao senso o comum, baseada além da inveja e da rivalidade, do medo de ser despedaçado e da dor do ressentimento em que atacamos os outros porque fomos atacados, e tomamos atos e decisões por algum motivo que já esquecemos.
É uma felicidade que parte do que Nelson Rodrigues, com o seu romantismo exacerbado, disse: o pecado vem antes da memória. O erro vem sem percebemos, a falsidade parece ser a verdade, a bondade se insinua ao nosso lado e a maldade se reveste como necessidade. E nos vemos obscuros, confusos, jogados em um mundo incompreensível e rancoroso. E então é preciso se defender. E é preciso atacar. E é preciso saber o certo e o errado.
Toda essa história de pão e vinho, de um Deus na terra, de amar ao próximo, assusta. Por isso suspeito que, para se acreditar nessa velha religião, não acho que é preciso de um salto de fé, mas de um ato de espanto: Ele perdoou. Ele nos ama. Assim mesmo, desse jeito.
Não tem nada a ver com um Deus enfurecido por não seguirmos Suas normas, ou porque a humanidade teria que pagar o preço; não, não, a questão é muito mais bela: Ele perdoou porque nós é que somos enfurecidos, nós é que estamos sedentos de sangue.
Ele abriu mão da vingança. Do rancor. Suportou a vergonha. Deixou seu espírito. E tudo isso, antes de nós. Antes de nossos erros e antes dos erros dos outros.
Partindo de uma alegria que mal entendemos, fez um gesto de amor que, no fim das contas, é o mais incompreendido, quando é ele mesmo a pura compreensão: perdoou.