Por Guilherme C. Carneiro
Lembro-me de quando escrevi minha primeira poesia. Meu colégio promovia uma competição com todos os alunos. O ganhador seria lido no último dia de aula. Obviamente, os favoritos eram sempre os mais estudiosos, grupo do qual nunca fiz parte. Era um menino puríssimo de uma geração nem tão pura assim, e me enchia de pudor ao afirmar minha vontade de escrever um poema. A poesia tem em si algo de estranho, alheio ao cotidiano, distante de um jogador de futebol, estrela de cinema ou de um astronauta. Nossos sonhos de crianças eram largos, mas o ato de escrever não era apreciado, e o limite de nossas imaginações não chegava à poesia.
No entanto, eu a escrevi. A poesia, se forço a memória, era uma prosa que começava assim: “sob o céu escuro e estrelado, um jovem sonha”. Como me esforcei em escrevê-la! Era cheia de contradições, típica da poesia — a linguagem mais simples já criada e, por isso mesmo, dificílima de ser compreendida. Quando estava pronta, mostrei a um professor que me elogiou muito, disse que deveria publicá-la, que tinha chances de me sagrar campeão.
Fiquei contentíssimo. De repente, um mundo novo se abria aos meus olhos, e o sonho de ser poeta, tão distante e pouco valorizado em minha realidade, se tornava possível. Era como se, de uma hora para outra, eu tivesse posto as lentes da literatura e todos eram meus personagens que devia revesti-los com notas belas e tristes, desvendando as dores e as alegrias mais ocultas de seus corações.
A primeira coisa que fiz com a minha poesia foi guardá-la em uma caixinha da infância e escrever uma outra, em que brincava com a palavra família, dando a cada letra uma nova palavra. Essa eu publiquei, e não fiquei entre os finalistas. A caixinha se perdeu com o tempo, e não tive a chance de relê-la. Considero a caixinha, junto com a minha poesia, um objeto místico que jamais irei reencontrar, e cada vez mais esqueço o que havia escrito.
Pode parecer estranho essa repentina vontade de ocultamento, de guardar um poema que provavelmente era muito elevado para um menino com a cabeça ao vento. Acontece que, antes de tudo, o escritor pretende com seu texto algo mais íntimo, mais voltado a si mesmo e, como um egoísta, no momento que consegue pôr no papel aquilo que seu ser gritava para ser expelido, ele ama.
E um amante não pretende dividir seu amor com ninguém. É assim mesmo: antes de entregar o que fez com amor, quer segurá-lo, quer ir contra a tendência natural de quem ama, que é a exposição, e guardá-lo para si, eternamente. O escritor é o mais reservado dos homens.
Aquilo que antigamente era visto como o mais espesso de uma pessoa, que lhe dava a mais radiante das felicidades, era privado, revelado a poucos e guardado de muitos. Elevando a cabeça para o céu, um jovem sentia-se feliz em compartilhar suas conquistas apenas com as estrelas, e isso lhe bastava.
Eu não sei o que é viver em um mundo mais estável, desacelerado, em que o não fazer nada ocorre naturalmente, sem a compulsão de abrir um celular ou ligar uma TV. Realmente não sei, mas me pergunto se não perdemos algo com isso, e hoje expondo os devaneios mais íntimos de meu coração em textos, me pergunto se algo ainda irá ser meu, privadamente meu.
A alegria deve ter algo da reserva. Coisa que hoje já não a temos. Quem ousaria, como um velho, ser feliz e não contar a ninguém? Quem ousaria, como um revolucionário, guardar para si a intimidade de amar e, especialmente, de ser amado?
Ninguém…
Sobre o autor
Com 23 anos, Guilherme (@thauma_filo_literario) é advogado especializado em direito trabalhista, graduando em filosofia e obcecado por literatura. Desde a primeira vez que se pôs a escrever, percebeu que só ali encontraria o antídoto contra um mundo cada vez mais confuso e desconcertante.