Elogio e lamento de Curitiba

A cidade de Curitiba é fria e organizada. E faço notar que sua frieza é ambígua: ela se faz presente tanto no clima como em seus moradores.

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Foto: Adobe Stock

Em tudo na cidade se percebe um planejamento e um esforço até nos mínimos detalhes: nas calçadas de pedra com desenhos feitos à mão, por exemplo, ou no formato dos bancos das praças, nos jardins perdidos entre longas e espaçadas avenidas.

Tudo nela se originou de uma criteriosa deliberação, da força do pensamento e da máxima vontade.

Mas onde quer que se ande por Curitiba, principalmente no entorno de seu centro, com belas praças arborizadas, ruas limpas e bem sinalizadas, a autenticidade e a espontaneidade parecem proibidas.

É talvez por isso que, destacados dos demais habitantes – que assumem um passo rápido e paulistano, ao mesmo tempo apressado e rabugento – se percebe um transgressor com vestes coloridas, andando sem rumo, de botas de palhaço e camisas de circo.

Os figurões rapidamente se tornam conhecidos, lendas são criadas em cima de suas biografias, e ninguém sabe exatamente por quê; mas me surgiu a suspeita de que é porque Curitiba tem algo de interior, algo de cidade pequena, mesmo sendo grande.

Se for necessário entrar em um elevador, é provável que não se ouça nenhum bom dia, nenhum comentário sobre o tempo, nenhum ruído. O curitibano leva a sério demais sua civilidade, que acaba se transformando em cinzas, em desafeto.

Ao mesmo tempo, caso você decida sentar em um café, é provável que o garçom atenda muito bem, assumindo um tom de verdadeira preocupação com o seu bem-estar (sem exigir gorjeta ao final).

Dizem os curitibanos que é preciso sair de casa com um guarda-chuva e uma jaqueta, porque, diferente das outras cidades, aqui se costuma ter as quatro estações no mesmo dia.

A intensidade do curitibano, como se vê, se reduz ao clima: se esfria – como geralmente acontece – faz muito frio; nos dias quentes é a mesma história, assim como nos dias de chuva.

Há uma qualidade prática na cidade, preocupada em fornecer respostas rápidas e eficientes aos problemas essenciais da vida, como as enfermidades, a velhice, o desemprego, os impostos.

Há muitas árvores, parques e jardins. Quando se passa por um de seus monumentos, novamente se percebe o mérito que orgulha seus habitantes: uma organização muito precisa, muito eficiente.

O curitibano, por outro lado, é frio porque esconde uma mentira, e esconde até de si mesmo. Ele gostaria de valorizar a espontaneidade da beleza, a gratuidade de um abraço, o calor de um beijo.

Mas diz para si que prefere a eficiência, que prefere a funcionalidade, que seu modelo é o paulistano, mesmo que jamais o alcance, mesmo que o diminua publicamente e o inveje no íntimo.

O curitibano esconde de si mesmo que, no meio de tanta organização, não respira.

É assombrado pela paródia que faz de sua cidade, onde o ar é rarefeito, e a espontaneidade de um sorriso não pode existir, muito menos a selvageria exótica de uma mata, ou até a mera conversa fiada com um desconhecido. 

Na cidade da frieza, tudo pode se tornar triste, porque há marcas de um orgulho ferido, de um ressentimento não confessado.

Mas ainda assim, para renunciar ao que a cidade quer ser, mas não é, só é preciso se entregar às nuvens negras que acobertam o céu e às ondas de chuvas que desabam no chão – como se fossem graciosos movimentos de tudo que vive sob a profusão de cores e sombras que deslizam, escondidas, sob esta cidade de frieza.

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