Não sou de me espantar. Sinceramente, sou como Nelson Rodrigues quando escreveu que coisas espantosas deixaram de espantar. E não tanto por comodismo, mas por puro e simples desinteresse. Até mesmo quando soube do movimento MGTOW (“Men Going Their Own Way”), não nego: eu apenas ri.
A crença de que os homens devem se afastar das mulheres porque elas se tornaram perigosas ao desenvolvimento natural da «masculinidade», me pareceu uma piada trágica. Quase uma Elegia.
E não é necessário muito para compreender que o radicalismo deste movimento levaria a uma rejeição em massa de suas ideias. Ou melhor: desprezo de suas ideias. Isso é um acontecimento previsível de qualquer grupo que se pretenda ir contra à modernidade: será desprezado e viverá em uma redoma, alheio aos xingamentos e ainda mais convicto de sua superioridade.
Mas há um problema com o desprezo: ele cega. O leitor aqui pode ficar escandalizado, mas acontece que o desprezo é a emoção dos deuses: “o que vem de baixo não atinge”. Para arrasar o inimigo: desprezá-lo. Para tropeçá-lo no próprio erro, pressupor a sua insignificância, tão natural quanto a luz do dia.
Talvez não precisasse dizer essas obviedades se o desprezo não fosse a emoção antidemocrática por excelência, e que leva rigorosamente a um único caminho: o da incompreensão.
Assim como MGTOW, a nova trend das redes sociais, o «Homem Sigma», tem razões de existir: não há mais tabus. E isso não deve ser menosprezado. Imagine viver uma vida toda de um jeito, e então descobrir que ela é uma mera opção. O medo é compreensível. Masculinidade e feminilidade perderam suas referências. Não há mais um grande modelo a ser seguido. A modernidade é uma contestadora que leva abaixo tabus. É por isso que os conservadores, na maioria das vezes, reagem com violência em relação as mudanças de gênero, do mesmo modo como os nobres do romance “Vermelho e o Negro”, de Stendhal, quando viam qualquer pobre: eram potenciais jacobinos, prontos para pôr em marcha uma revolução.
A consequência de um mundo sem tabus é o medo de que as referências já terem sido perdidas, e de ninguém mais acreditar nelas: a mulher não irá ser submissa ao marido, o papa não é repositório da autoridade, o governo não é a solução de nossos problemas.
E a causa disso é um mundo liberal, e não apenas no plano econômico ou político. O escritor francês Michel Houellebecq adota em seus livros uma ideia que me fascina: o liberalismo também e inseriu no plano sexual. Em todas as sociedades, há sistemas hierárquicos que diferem e classificam seus habitantes, desde o nascimento, a força física, inteligência, talento e assim por diante. Atualmente, deslocamo-nos a um sistema de duas dimensões: atração erótica e dinheiro.
Aqueles que não possuem “valor de mercado” em nenhum desses polos e não conseguem seduzir ou enriquecer, fatalmente serão reduzidos a pó, e a força arrasadora do sistema os levará ao nível mais baixo da hierarquia, condenados muitas vezes a amargura e a insegurança.
Por isso creio que o homem sigma é uma reação ao universo houellebecquiano. A maioria de seus animadores são homens que viram a entrada da mulher na revolução sexual e sofreram com isso. A contestação arrasadora de qualquer comportamento pré-determinado de como as mulheres devem se comportar, quais regras e ideais as relações devem seguir, aliados a alguma frustração no plano amoroso, causou ressentimento. Por homens. Por mulheres. Por todos.
Ao que me parece, o Homem Sigma é fruto da consciência, ainda que precária, de que o amor adoeceu, de que o cinismo, a desilusão e a competividade tomaram conta de um mundo materialista e perfeitamente identificado nos tristes romances de Houellebecq.
Mas isso que não quer dizer que o movimento se trata de resgatar valores esquecidos ou amar primeiramente a si mesmo: é apenas oportunismo requintado de mágoa.
Sobre o autor
Com 23 anos, Guilherme (@thauma_filo_literario) é advogado especializado em direito trabalhista, graduando em filosofia e obcecado por literatura. Desde a primeira vez que se pôs a escrever, percebeu que só ali encontraria o antídoto contra um mundo cada vez mais confuso e desconcertante.