Não é difícil encontrar alguns exemplos de temas, pessoas ou fatos que a sua mera menção é suficiente para causar um ‘gatilho’ no ouvinte, que logo se vê no dever de desprezar ou invalidar a opinião do outro, a considerando uma ofensa – às vezes até deliberada – do locutor.
A sociedade em que vivemos está cheia de situações que “não podem ser ditas e muito menos respeitadas”, por motivos não bem elucidados, mas que parecem se resumir a critérios subjetivos do ouvinte ou do grupo em que este se identifica.
Penso naqueles que escutam a palavra ‘Bolsonaro’, ou ‘Lula’, e imediatamente sentem pontadas no estômago, como se toda a maldade nela contida causasse arrepios até no diabo, e a sua mera menção fosse uma afronta direta às instituições, ao conceito de inteligência, ou simplesmente a ele próprio.
Parece que até mesmo a noção de ‘simpatia’, descrita por Adam Smith em ‘A teoria dos sentimentos morais’, na qual o homem deve se colocar na situação do outro, é conscientemente omitida em contextos que o desprezo é “necessário” e “bem-visto” – ou seja, legitimado pela opinião pública.
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É em momentos assim que os ‘intelectuais’ precisam respirar fundo, contar até dez e dizer ao povo sedento de sangue que não se constrói nada a partir da estratégia do desprezo, de que um eleitor do Bolsonaro não é – necessariamente – um fascista, e do Lula um alienado comunista.
Antes de apontar o dedo e jorrar ‘verdades’ no outro, é preciso compreender as razões que o fizeram tomar aquela posição, e a consciência de que o sentimento de ser ‘desprezado’ só causa mais ressentimento, mais rancor. Afinal de contas, ter razão vale muito pouco, mas saber o que fazer com ela, muito mais.
Aqui ainda estamos falando de temas públicos, de assuntos amplos e genéricos. Mas peço ao leitor que repare a mesma lógica da ofensa e do desprezo nas conversas do dia-a-dia, nos desentendimentos banais e nas pequenas opiniões dos outros.
Quantas vezes uma simples palavra, um gesto insignificante ou um sentimento de censura fez que com colocássemos a ofensa antes da compreensão? Quantas vezes não deixamos que o orgulho dirigisse nossos atos, e nada víssemos a não ser uma falta grave contra nós, uma conspiração contra nossa pureza?
Aquela briga que surgiu porque nos sentimos ofendidos, e o outro também; aquela omissão do outro que a justificou com traumas passados, e que nós, futuramente, justificamos em nós mesmos também; aquele ato terrível que juramos nunca fazer igual porque, no fundo, sabemos que o mal se esconde em nós também.
O que poderia ter sido nas tantas vezes que antes de ouvirmos a última palavra, a raiva e a ofensa já começaram a queimar o estomago, a turvar a visão e a tramar contra nós mesmos?
O orgulho instrumentaliza tudo. A compreensão é misericordiosa com tudo.