Locadoras, experiências e saudades

Enquanto assobiava despreocupadamente, o homem desenrolava um longo cartaz, cheio de cores estranhas e brilhantes, que seria fixado na entrada da locadora. No instante em que meus olhos captaram o movimento manso e lento do homem a puxar com uma das mãos a parte final do cartaz, todas aquelas formas e letras não pareciam resultar em algum lançamento que acabara de sair do cinema.

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Foto: Freepik

Se me lembro bem, creio que meus passos diminuíram de ritmo, ansioso pelo resultado final, pelo término da ansiedade da obra que seria anunciada. Mas não pude aguardar: fui puxado pelas mãos firmes de meu pai para o interior da locadora.

O ambiente, pela imagem cansada que evoco, era recheado de móveis com diferentes tons de laranja, com corredores que pareciam labirintos que se abriam para vários novos caminhos e novos corredores, com altas prateleiras organizadas por gênero, por ordem alfabética, ou por ano de lançamento.

O ritual que se materializou entre mim e meu pai consistia em primeiro nos dirigirmos ao corredor do gênero de ação, procurar por algum dos filmes já conhecidos, nos familiarizarmos com os novos e, então, cada um seguir seu rumo naquela imensidão de corredores, e nos encontramos novamente na mesma seção com três candidatos ao filme da noite.

Geralmente íamos a locadora após o jantar, que geralmente se dava tarde da noite, limitando nosso tempo de procura. Meu pai tinha sono, dizia que não gostava de começar o filme na madrugada, nem de finalizá-lo na manhã seguinte.

Mas isso era sempre esquecido e raramente respeitado. Nunca mencionamos explicitamente essa etapa importante do ritual: a de que gostávamos de passar longas horas apenas procurando, imaginado os desfechos de cada filme, a voz dos personagens, a qualidade dos efeitos especiais.

Essa busca, contudo, era sempre individual, porque o ato de perder-se no interior de uma locadora – experiência herdada do movimento estudioso das bibliotecas – necessitava desse diálogo interior com os filmes, da atenção desinteressada, no máximo compartilhada com outros seres também presos a sua solidão.

Com a chegada do streaming, tudo mudou. Nos alegrávamos com a facilidade de realizar esse mesmo ritual no conforto de casa, usando os botões mágicos do controle remoto. Tudo indicava uma renovada praticidade tecnológica. E, de fato, foi isso mesmo.

Mas hoje, vejo que perdi algo com o fim das locadoras, e não quero aqui tecer julgamentos metaculturais sobre o destino da civilização com o progresso da tecnologia e o avanço do mundo virtual.

É um tema que já começa a demonstrar cansaço, e não creio que o fim dos tempos teria como um de seus pressupostos o simples e universal sentimento do tédio. Antes, só queria descrever a experiência da locadora, e de que sinto saudades dela, e de toda a sua falta de prática, se comparada com o streaming.

Mas hoje, vejo que perdi algo com o fim das locadoras, e creio que possa defini-lo assim: perdi um saudoso encanto infantil.

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