A revolução digital gerou novas tecnologias com a popularização da internet, transformando o comportamento de consumo e social das pessoas. Isso resultou em uma explosão de dados, criando setores inteiros liderados por gigantes da tecnologia, como Foursquare, Google, Facebook, Amazon, Uber e Netflix, focados no acesso e monetização desses dados.
Empresas tradicionais que abraçaram essa transformação digital se destacaram, investindo bilhões para digitalizar seus processos, meios de comunicação, produtos e, especialmente, os dados acumulados ao longo de suas operações. O objetivo desse investimento é claro: utilizar dados estruturados para implementar soluções mais eficientes, inteligentes e de maior valor agregado, aproveitando novas tecnologias.
No Brasil, a revolução digital foi particularmente visível com o surgimento do “Open Banking”, que facilitou o acesso a dados financeiros e deu origem a fintechs como Nubank, C6, Banco Inter, Guiabolso e Creditas. Essas empresas agora competem diretamente com os bancos tradicionais, oferecendo soluções mais econômicas e personalizadas aos clientes. Outros setores também se digitalizaram, resultando em healthtechs, proptechs e consumertechs; praticamente todos os grandes setores produtivos estão passando por essa transformação.
É inegável que a revolução digital é inevitável, e a resistência a ela gera ineficiências inaceitáveis para o consumidor moderno. O setor de energia elétrica, por outro lado, sempre foi lento na adoção de tecnologia, refletindo-se na maneira como os dados dos mais de 90 milhões de consumidores são geridos pelas concessionárias. O acesso a esses dados é frequentemente difícil, inconsistente e, em muitos casos, incorreto.
As barreiras impostas pelas concessionárias no acesso a dados de consumo impedem a implementação de soluções inteligentes em larga escala, como a eficiência energética e o acesso à energia renovável. Sem dados consistentes e sistemas de comunicação padronizados (APIs), as climate-techs, que têm como missão desenvolver produtos e serviços para combater a crise climática e acelerar a transição energética, não alcançarão seu pleno potencial de impacto. O consumidor e a sociedade em geral são os maiores prejudicados.
Setor Elétrico no Brasil: como funciona?
O setor elétrico no Brasil é complexo, abrangendo diversas etapas, desde a geração até a distribuição de energia. Aqui está um resumo de seu funcionamento:
- Geração de Energia
- Usinas Hidrelétricas: Principal fonte de energia, aproveitando a força das águas. O Brasil conta com grandes reservatórios, como os de Itaipu e Belo Monte.
- Usinas Termelétricas: Utilizam combustíveis fósseis (gás natural, carvão) e biomassa, servindo como backup durante períodos de seca, quando a geração hidrelétrica diminui.
- Energias Renováveis: O investimento em energia solar e eólica tem crescido rapidamente, especialmente no Nordeste.
- Transmissão de Energia
- Rede de Transmissão: A energia gerada é transportada em alta tensão por uma vasta rede de linhas que conectam usinas aos centros de consumo.
- Operação: O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) coordena a rede, garantindo que a oferta atenda à demanda em tempo real.
- Distribuição de Energia
- Concessionárias de Distribuição: A energia chega aos consumidores finais por meio dessas empresas, que distribuem eletricidade em baixa tensão.
- Medidores: Cada consumidor tem um medidor que registra o consumo, base para a cobrança.
- Regulação e Tarifas
- ANEEL: A Agência Nacional de Energia Elétrica regula o setor, definindo tarifas, fiscalizando concessionárias e assegurando a qualidade do serviço.
- Modelo Tarifário: As tarifas incluem componentes variados, como custos de geração, transmissão, distribuição e encargos setoriais.
- Mercado de Energia
- Leilões: O governo realiza leilões para contratar a geração de energia, onde empresas oferecem preços para fornecer eletricidade.
- Mercado Livre: Grandes consumidores podem escolher seus fornecedores no mercado livre, em busca de melhores tarifas.
- Sustentabilidade e Desafios
- Energia Renovável: O Brasil busca aumentar a participação de fontes renováveis e reduzir a dependência de hidrelétricas.
- Desafios Climáticos: A variabilidade climática impacta a geração hidrelétrica, levando ao uso maior de termelétricas e à necessidade de infraestrutura.
Open Energy e abertura de dados
A convergência de novas tecnologias levanta a necessidade de discutir o ‘Open Energy’ no setor elétrico. Essa iniciativa pode abrir o mercado e ampliar a liberdade dos consumidores na escolha de seus fornecedores de energia. Esse movimento já ocorre em várias partes do mundo, promovendo o empoderamento do consumidor, competição saudável entre empresas, redução de custos transacionais e compartilhamento seguro de dados através de protocolos padronizados (APIs).
O conceito de Open Energy foi desenvolvido inicialmente no Reino Unido em 2008 e já se tornou realidade nas principais potências europeias, enquanto nos EUA, sua implementação está em prática há mais de uma década. No Brasil, porém, a proposta avança lentamente na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), atrasando a evolução de um setor crucial para o desenvolvimento do país.
O que é Open Energy?
Open Energy é um conceito que visa promover a transparência e o compartilhamento de dados no setor de energia.
Inspirado por iniciativas como o Open Banking, o Open Energy busca permitir que consumidores e empresas acessem e compartilhem informações sobre o consumo de energia, fornecendo maior controle sobre suas escolhas e incentivando a competição entre fornecedores.
Principais Características do Open Energy:
- Acesso aos Dados: Permite que consumidores tenham acesso a dados detalhados sobre seu consumo energético, facilitando a comparação de tarifas e serviços de diferentes fornecedores.
- Interoperabilidade: Estabelece padrões de comunicação (como APIs) que permitem a troca de informações entre diferentes plataformas e serviços, promovendo a integração entre diversas tecnologias.
- Empoderamento do Consumidor: Facilita que os consumidores tomem decisões informadas, escolham seu fornecedor de energia e utilizem soluções mais eficientes, como energia renovável.
- Promoção da Competição: Ao abrir o mercado e permitir a comparação entre fornecedores, o Open Energy incentiva a concorrência, potencialmente levando a preços mais baixos e melhores serviços.
- Sustentabilidade: O acesso a dados pode ajudar a implementar soluções que promovam a eficiência energética e a adoção de fontes de energia renovável, contribuindo para a transição energética.
Exemplos de Implementação
O conceito já é uma realidade em algumas regiões, como no Reino Unido e na União Europeia, onde regulamentações têm sido criadas para facilitar a implementação do Open Energy.
No Brasil, a discussão sobre o Open Energy está em andamento, com o objetivo de modernizar o setor elétrico e torná-lo mais eficiente e acessível.
A Necessidade de Mudança
Essas transformações poderiam resultar em uma revolução completa no funcionamento do setor elétrico brasileiro. Atualmente, o mercado é caracterizado por investimentos intensivos em capital na construção de grandes usinas e na infraestrutura de transmissão e distribuição. A digitalização poderia reduzir barreiras de entrada e gerar melhorias que impactem positivamente o status quo do setor, facilitando a descarbonização da rede.
Isso beneficiaria todo o ecossistema, permitindo uma oferta maior de soluções tecnológicas personalizadas para a cadeia produtiva da energia elétrica, como precificação inteligente e dinâmica através de modalidades tarifárias mais eficientes. A promoção do Open Energy poderia, ainda, aumentar a consciência energética no país e acelerar sua transição.
Felizmente, já existem players importantes no setor energético que estão se alinhando à abertura do mercado e à melhoria da eficiência. Na “Era dos Dados”, garantir a operabilidade das informações relacionadas à energia pode ser tão inovador quanto a própria descoberta da eletricidade, pois, afinal, “data is the new oil”.