Trabalhar com o que se gosta é o sonho de todo profissional, e aqueles que alcançam esse objetivo costumam ser os mais bem-sucedidos e realizados no ambiente de trabalho. Mas também existem os casos de pessoas que conseguem trabalhar com o que gostam e são bem-sucedidas e, mesmo assim, ainda precisam superar barreiras que insistem em permanecer em pé. É o caso de Nattasha Nobre, 35 anos, que construiu uma carreira ouvindo que aquele lugar era de homens e que mulheres não poderiam fazer o mesmo serviço.
Formada inicialmente em técnica de edificações, Nattasha criou a Marida de Aluguel em 2016. A empresa surgiu devido à necessidade da profissional trabalhar e sustentar ela e seu filho de 12 anos.
No início da história da Marida, há cerca de seis anos, Nattasha trabalhava registrada em um escritório que fazia serviços de ar-condicionado. Embora tivesse a formação, ela conta que nunca conseguia atuar em obras devido ao preconceito por ser mulher. Então, o que sobrava eram as papeladas a serem preenchidas dentro da empresa.
No entanto, ela perdeu o emprego e, no mesmo período, terminou o relacionamento com o marido e pai de seu filho.
Sozinha e desempregada, começou a distribuir currículos para atuar na área de construção, mas não recebeu retorno. Como precisava de uma rápida recolocação no mercado, em um dia, decidiu fazer uma publicação no Clube da Alice, uma página no Facebook que reúne diversas mulheres. Sem saber o que viria, Nattasha escreveu oferecendo seus serviços na área. E foi a partir desse dia que nasceu a Marida de Aluguel.
Segundo ela, foram muitas mulheres que a incentivaram e deram palavras de apoio. Mas já nos primeiros dias, sentiu o preconceito. “Na época, muitas pessoas me contrataram, mas não davam valor. Diziam que contrataram por dó. Mas quando começaram a ver que o serviço era bom, falavam que iriam me indicar. No começo veio o apoio, mas também veio muito preconceito”, relata.
Além do desafio de começar uma empresa do zero, no desenvolvimento do seu sonho, ela ouvia: “Mas você vai mesmo para a obra?” “Você não faz nada.” “A roupa que você está usando é só para fazer marketing.”.
E a cada comentário negativo e machista, Nattasha mostrava que aquele também era seu espaço. Arrumada, sempre com batom, rímel e unhas feitas, entregava o que era solicitado e persistia na caminhada.
Desde o início da empresa, além de cuidar de seu negócio e fechar os orçamentos, Nattasha também colocava a mão na massa. Uma história que a marcou negativamente aconteceu em 2016, no começo do projeto da Marida de Aluguel. No período, estava fazendo obras brutas e tinha uma equipe masculina para os trabalhos. O diretor de uma escola particular de Curitiba a procurou dizendo que havia recebido uma indicação de seu serviço e que precisava pintar algumas salas do colégio. No entanto, o diretor tinha uma condição: ela não poderia entrar na obra.
“Ele me disse que eu era mulher e que por isso eu não poderia auxiliar na obra”, conta Nattasha. E pelo telefone, ele ainda falou: “você me entende, né?”.
A ligação foi descrita pela profissional como “um soco no estômago”. Incrédula, a resposta que ela deu foi com uma publicação no Facebook, na qual ela disse para todas as mulheres serem livres nas escolhas e fazerem o que quiserem.
Devido ao preconceito, ela começou a fazer mais cursos de especialização. “Eu sou pedreira, azulejista, eletricista. Fiz esses cursos para mostrar que eu posso”, afirma.
E as falas machistas não ficaram restritas ao trabalho. Dentro das salas dos cursos que Nattasha fez, onde a maior parte dos alunos eram homens, os ataques eram recorrentes.
“No primeiro dia que entrei na sala que estava cheia de homens, eles me falaram que a aula de corte e costura era na sala ao lado. Mas aí eu disse que estava no lugar certo”.
Apesar de nunca ter desistido da profissão, o preconceito deixa barreiras.
“A gente carrega essas marcas de preconceito para o resto da vida, mas isso também faz com que a gente aprenda que na vida sempre vai ter alguém que vai falar da roupa, do cabelo, do trabalho e tentar rebaixar a mulher. E precisamos lutar. Se você colocou na cabeça que consegue, pode ser difícil, mas dá para conseguir”, diz Nattasha.
Recentemente, Nattasha conseguiu formar uma equipe feminina. Entretanto, desde dezembro de 2021 ela não está trabalhando todos os dias, pois seu filho está doente e ainda não se sabe o diagnóstico. Precisando estar com ele em casa e no hospital, a profissional adiou, temporariamente, o desenvolvimento da Marida de Aluguel.
A profissional relata que a parte que mais a encanta no trabalho é pegar um projeto, executar e entregar o que o cliente pediu. A satisfação das pessoas é sua motivação.
“A parte que eu mais gosto é quando a gente pega umas obras que parecem uma guerra. Eu e as meninas conseguimos arrumar e entregar aquilo bem limpo. Os elogios sobre organização e trabalho é o que me deixam feliz”.
Juntas somos mais fortes
Pensando em como ajudar outras mulheres a terem um trabalho e a serem independentes, Nattasha iniciou um projeto dentro da empresa. No ano passado, ela comprou alguns equipamentos para o escritório e começou a oferecer qualificação gratuita para mulheres em situação de risco.
A formação era para que as participantes do curso entrassem na equipe e ajudassem no serviço. “Já cheguei a ter cinco meninas atuando juntas. Atualmente, tenho uma colaboradora”, diz Nattasha.
Com o filho doente, os atendimentos diminuíram. Mas em breve ela espera começar uma nova turma para engajar mais mulheres.
“Espero que eu consiga dar vida a esse projeto. Porque vou precisar recomeçar de novo e quero levar umas mulheres comigo para também recomeçarem”, afirma.
E para todas as mulheres que têm ou que desejam fazer parte de uma profissão considerada masculina, Nattasha deixa o recado: “não desistam e persistam, porque lugar de mulher é onde ela quiser”.
Profissão delas
Uma mudança repentina de vida exige coragem. Aos 34 anos, Lucivana Pereira decidiu fugir da rotina e encarar um novo desafio.
O trabalho em construções pode ser algo comum para muitas pessoas, mas para ‘Lu’, como é chamada pelos mais próximos, é um objetivo de vida. Os detalhes que fazem parte do trabalho despertam o seu interesse e a fazem ir atrás do conhecimento para que evolua cada vez mais.
Luciana já teve diversos empregos, alguns que gostava mais, outros, nem tanto. Mas recentemente decidiu abandonar a gráfica onde atuava e, por convite de um amigo, resolveu entrar no ramo das construções.
Apesar de ter começado recentemente, Luciana revela que já foi abordada com elogios. “Uma vez eu estava trabalhando e uma mulher passou de carro e me deu parabéns pelo trabalho. No fim da tarde, ela me trouxe uma necessaire e um chocolate de presente. Foi bem legal”, diz.
A rotina mais leve em uma simples reforma com seu amigo é o que move o dia a dia de Lu. Em um trabalho incomum, seu senso de humor deixa o ambiente mais leve.
”Isso aqui é o que eu gosto. No meu antigo trabalho eu quase saí com depressão, agora eu tô feliz. Quero aprender e trabalhar mais com construção”, garante.
Dia da Mulher
Luciana e Nattasha, que vivem a cada dia um novo desafio no trabalho, também pensam no esforço coletivo das mulheres.
Para Nattasha, o Dia da Mulher significa luta e perseverança. Mas não é um dia exclusivo, pois todos os dias o grupo feminino precisa conquistar espaço.
“Todo mundo fala de igualdade, luta, direitos e a gente vê tanta coisa acontecendo com as mulheres. Eu sempre usei a frase: lugar de mulher é onde ela quiser. Nesse ano, eu me vi como uma mulher solo. Eu me senti impotente, porque sempre estamos lutando por algo. E agora eu vi que todos os dias é o Dia da Mulher porque em todos eles nós lutamos”, diz.
“O foco do Dia da Mulher e da Marida é continuar em constante luta pelos direitos, pela liberdade e pela vida. É essa a essência”.
Para Luciana, o Dia da Mulher representa o esforço diário. Ao deixar de viver uma rotina degradante, ela se arriscou a viver e fazer o que gosta, pouco se importando com a opinião alheia.
“Eu já deixei de fazer muita coisa por medo do que iam pensar. Agora, eu sigo fazendo o que quero sem me importar. Não quero tirar nada de ninguém, mas vou levando a vida com o que me faz feliz”, comenta.
Barbara Schiontek e Gustavo Barossi