ViolĂȘncia nas escolas: como falar com crianças e adolescentes

Com a colaboração de AgĂȘncia Brasil

“MamĂŁe, eu vou poder ir para a escola?” “Por que hĂĄ massacre?” A professora Gina Vieira, pesquisadora em educação no Distrito Federal, ficou aturdida ao ouvir do filho de 12 anos a palavra “massacre” e perguntas sobre violĂȘncias nas escolas que exigem mais do que uma simples resposta: exigem atenção, ouvidos disponĂ­veis, seriedade, serenidade e acolhimento.

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Foto: Marcelo Camargo/AgĂȘncia Brasil

“Muitas vezes, as famĂ­lias se recusam a conversar [sobre atentados tornados pĂșblicos em escolas e outros ambientes] porque acreditam que isso pode traumatizar a criança. SĂł que as crianças estĂŁo em um mundo em que elas sĂŁo expostas de maneira visceral a tudo o que acontece”, diz a pesquisadora em educação que tem projetos premiados no campo da educação e de direitos humanos. 

Ela explica que falar com as crianças e adolescentes sobre o que estĂĄ acontecendo requer que os pais superem a perspectiva ingĂȘnua de acreditar que a violĂȘncia na escola Ă© algo relativo ao ambiente escolar. Gina Vieira entende que mensagens de Ăłdio e desinformação passaram a ocupar espaço central no paĂ­s.

“É necessário que os pais ouçam as crianças e estejam atentos aos sinais de que podem estar assustadas, apreensivas e com medo”, diz Gina Vieira.

Acolher esses sentimentos Ă© a palavra adequada, segundo a professora de psicologia Belinda Mandelbaum, da Universidade de SĂŁo Paulo (USP). “Em um primeiro momento, Ă© necessĂĄrio escutar o que chegou atĂ© elas. Escutar os medos e as impressĂ”es. A partir dessa escuta, os adultos podem, de alguma maneira, contribuir para uma ampliação da compreensĂŁo da criança sobre aquilo que ocorreu”. Assim, os adultos devem ficar disponĂ­veis para poder responder Ă s perguntas das crianças, ouvir e pensar com ela sobre as questĂ”es que elas tĂȘm.

Para a psicopedagoga Ana Paula Barbosa, que tambĂ©m Ă© professora de psicologia e pesquisa o desenvolvimento infantil, Ă© fundamental que os adultos nĂŁo neguem Ă s crianças a possibilidade de sentir e se emocionar. É preciso que as famĂ­lias estejam dispostas para essa conversa. 

“Elas vĂŁo perguntar: ‘mĂŁe, o que estĂĄ acontecendo?’, ‘morreram crianças?’” NĂŁo negue e nĂŁo se afaste. Acolha a criança e pergunte em que espaço ela ouviu aquela informação. EntĂŁo, traga a criança para perto. Perguntar o que ela estĂĄ sentindo e explicar o que Ă© o medo”, pondera a professora do Centro UniversitĂĄrio de BrasĂ­lia. 

A professora recomenda que é possível explicar que o medo é um sentimento e que as famílias e as pessoas na escola estão trabalhando para cuidar da segurança dela.

Uma oportunidade, segundo Ana Paula Barbosa, para identificar que nĂŁo Ă© bom ser violento, mas que algumas pessoas utilizam a violĂȘncia.

“Podemos falar sobre o medo para criança externalizar esse sentimento de algum modo. Ela ainda está em processo de desenvolvimento. Deixar claro para ela que, se a criança tiver medo na escola, pode chamar a professora, pedir ajuda, falar sobre os sentimentos”.

AtĂ© porque, segundo a pesquisadora Danila Zambianco, da Universidade de Campinas (Unicamp), por vezes, o adulto causa mais temor ainda na criança, uma vez que potencializa algo que atĂ© pode ter passado despercebido. “É importante que as famĂ­lias deem espaço para as crianças falarem o que percebem e que elas expressem sentimentos”. 

Ao invĂ©s de inquirir a criança se ela sabe algo sobre a violĂȘncia, questionar se algo de diferente chamou atenção. “Isso quer dizer que Ă© necessĂĄrio que o adulto tome cuidado para nĂŁo julgar o que a criança trouxe”.

As especialistas ouvidas pela AgĂȘncia Brasil avaliam que Ă© importante, tanto quanto a informação, respeitar quando crianças manifestarem desconforto em ir para a escola. Em continuidade a uma eventual falta, Ă© importante que os adultos responsĂĄveis indiquem que estĂŁo atentos a todas as providĂȘncias de segurança tomadas. 

Segundo as pesquisadoras, os adultos também transmitem ansiedade e preocupação. E esses sinais são captados pelas antenas da sensibilidade das crianças.

Adolescentes

Embora consigam refletir sobre as crises de uma forma mais elaborada, adolescentes requerem tambĂ©m atenção bastante especial em relação ao que ouvem e recebem do mundo. “A gente ainda acha que o adolescente tem algumas capacidades a mais do que a criança, mas o cĂ©rebro do adolescente tambĂ©m estĂĄ em desenvolvimento”, pontua a professora Ana Paula Barbosa. 

“Adolescentes vivem em meio a descobertas e chegam a registrar alguns episĂłdios de maneira tambĂ©m distorcida, idealizada ou atĂ© romĂąntica. Para lidar com o adolescente, nĂŁo se costuma utilizar componentes lĂșdicos. A gente vai ter que encarar uma conversa que traga alertas e possibilidades de riscos para que a pessoa compreenda melhor o que se passa.” 

Outra providĂȘncia que adultos podem tomar Ă© chamar a atenção para que adolescentes nĂŁo satirizem os eventos, chamando-os Ă  responsabilidade moral diante das notĂ­cias de tragĂ©dia. “Que tipo de humor Ă© esse que se faz por cima do sofrimento de algumas pessoas?”

Arquivo/Rovena Rosa/AgĂȘncia Brasil

Abandono digital

A exposição chega Ă  sala de casa a partir da TV ligada ou do celular que alguĂ©m traz sempre Ă  mĂŁo.

Paralelamente ao momento terrĂ­vel de violĂȘncia, Gina Vieira aponta que as crianças estĂŁo expostas a uma espĂ©cie de “abandono digital”.

“Os pais estĂŁo soterrados de trabalho. As famĂ­lias sobrecarregadas e as crianças muitas vezes estĂŁo entregues a dispositivos mĂłveis”. 

A psicopedagoga Ana Paula Barbosa orienta que os responsáveis se aproximem das crianças e observem aquilo que elas estão olhando ou ouvindo. “As notícias mais fortes devem ser evitadas”.

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Ela enfatiza, entretanto, que isso nĂŁo deve ser motivo para evitar o assunto porque as informaçÔes podem chegar deturpadas de outro lugar. 

Essas distorçÔes via redes sociais são perigosas, diz a professora Belinda Mandelbaum, pesquisadora do Laboratório de Estudos da Família, da USP.

“É preciso entender o que toda essa tecnologia significa para elas e poder mostrar tambĂ©m os riscos que estĂŁo envolvidos. Tudo aquilo que as crianças nĂŁo tenham ainda condiçÔes de enxergar.”

Essa aproximação em relação aos meios digitais Ă© papel da famĂ­lia e da escola, cada um com suas caracterĂ­sticas e responsabilidades. “As crianças podem receber informaçÔes que podem ser muito perigosas. Elas precisam de adultos”.

O papel das escolas

Foto: Fernando FrazĂŁo/AgĂȘncia Brasil

As pesquisadoras veem que os profissionais da escola devem ser participantes ativos para que crianças e suas famĂ­lias sintam que o espaço educacional Ă© acolhedor. “É importante que, como parte do diĂĄlogo com as crianças, as escolas estabeleçam diĂĄlogos. As famĂ­lias precisam se sentir parte da construção da cultura de paz no espaço escolar”, diz Gina Vieira.

A professora Ana Paula Barbosa defende que um momento como esse impĂ”e que as unidades de ensino entendam que Ă© preciso investir mais em programas de saĂșde mental para todos.

“É hora de a escola rever alguns papĂ©is. NĂŁo pode mais ser apenas um espaço conteudista de matemĂĄtica, portuguĂȘs, geografia”.

Elas defendem que a escola é um espaço humano de desenvolvimento, de uma aprendizagem que não cai na prova.

Além disso, as especialistas acreditam que o momento proporciona a reflexão sobre uma mudança no perfil das reuniÔes escolares. Mais do que tratar das notas dos filhos, pais precisam conversar com professores sobre a importùncia do diålogo, programas sobre diversidade e bullying. 

“NĂŁo se faz milagre nas escolas. É necessĂĄrio equipĂĄ-las com mais profissionais de saĂșde mental. Isso que estĂĄ acontecendo mostra essa necessidade”, diz a professora Ana Paula Barbosa. 

AdversĂĄria ao papel humano das escolas, hĂĄ, no entender das pesquisadoras, parcela da sociedade que espetaculariza e monetiza a violĂȘncia. “A gente fica chocado quando a violĂȘncia se apresenta na escola, mas estĂĄ espelhando o que estĂĄ acontecendo na sociedade”, diz Gina Vieira. Por esse motivo, ela defende que a escola tenha espaços garantidos de escuta e de discussĂŁo. 

“A escola nĂŁo pode abrir mĂŁo da sua dimensĂŁo educativa em uma perspectiva de educação integral, humana e crĂ­tica que celebre a diversidade e a cultura de paz”, diz Gina Vieira. 

Para a professora Belinda Mandelbaum, Ă© necessĂĄrio aproveitar o momento tambĂ©m para fazer uma reflexĂŁo muito ampla sobre acontecimentos dentro das escolas. “Tem muita violĂȘncia, maus tratos, comunicaçÔes violentas verbais e atĂ© agressĂ”es”.

Na escola, diferente da intimidade do lar, a experiĂȘncia Ă© coletiva, ressalta Danila Zambianco, da Unicamp. “Na escola, Ă© tambĂ©m preciso ressaltar os espĂ­ritos de cooperação e de solidariedade”.

Diferentemente do medo, generosidade e respeito são aulas simples de entender para as crianças e que os adultos podem ficar mais atentos.

Em resumo, pais e professores devem ouvir para poder orientar:

1 – É importante preservar as crianças, mas nĂŁo esconder, mentir ou fugir de temas como a violĂȘncia nas escolas;
2 – Crianças devem ser informadas que os adultos estĂŁo atentos Ă  segurança delas;
3 – Fundamental que o adulto mostre-se disponĂ­vel para conversar;
4 – Adultos nĂŁo devem julgar os sentimentos dos pequenos (nem dos adolescentes);
5 – Observar e se aproximar das crianças para identificar o que estĂŁo recebendo via redes sociais;
6 – Importante nĂŁo potencializar um evento;
7 – Explicar que o medo faz parte da vida de todo ser humano e que as crianças sĂŁo protegidas pelos adultos;
8 – Pais e profissionais da educação devem estar mais prĂłximos para garantir a serenidade diante do momento;
9 – Adultos devem orientar adolescentes contra a satirização ou distorção dos eventos;
10 – Crianças devem ser incentivadas a se expressar, mas nĂŁo forçadas.

DenĂșncias

DenĂșncias sobre ameaças de ataques podem ser feitas ao canal Escola Segura, criado pelo MinistĂ©rio da Justiça e Segurança PĂșblica, em parceria com SaferNet Brasil. As informaçÔes enviadas ao canal serĂŁo mantidas sob sigilo e nĂŁo hĂĄ identificação do denunciante.

Acesse o site para fazer uma denĂșncia. Em caso de emergĂȘncia, a orientação Ă© ligar para o 190 ou para a delegacia de polĂ­cia mais prĂłxima.

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