âMamĂŁe, eu vou poder ir para a escola?â âPor que hĂĄ massacre?â A professora Gina Vieira, pesquisadora em educação no Distrito Federal, ficou aturdida ao ouvir do filho de 12 anos a palavra âmassacreâ e perguntas sobre violĂȘncias nas escolas que exigem mais do que uma simples resposta: exigem atenção, ouvidos disponĂveis, seriedade, serenidade e acolhimento.
âMuitas vezes, as famĂlias se recusam a conversar [sobre atentados tornados pĂșblicos em escolas e outros ambientes] porque acreditam que isso pode traumatizar a criança. SĂł que as crianças estĂŁo em um mundo em que elas sĂŁo expostas de maneira visceral a tudo o que aconteceâ, diz a pesquisadora em educação que tem projetos premiados no campo da educação e de direitos humanos.
Ela explica que falar com as crianças e adolescentes sobre o que estĂĄ acontecendo requer que os pais superem a perspectiva ingĂȘnua de acreditar que a violĂȘncia na escola Ă© algo relativo ao ambiente escolar. Gina Vieira entende que mensagens de Ăłdio e desinformação passaram a ocupar espaço central no paĂs.
âĂ necessĂĄrio que os pais ouçam as crianças e estejam atentos aos sinais de que podem estar assustadas, apreensivas e com medoâ, diz Gina Vieira.
Acolher esses sentimentos Ă© a palavra adequada, segundo a professora de psicologia Belinda Mandelbaum, da Universidade de SĂŁo Paulo (USP). âEm um primeiro momento, Ă© necessĂĄrio escutar o que chegou atĂ© elas. Escutar os medos e as impressĂ”es. A partir dessa escuta, os adultos podem, de alguma maneira, contribuir para uma ampliação da compreensĂŁo da criança sobre aquilo que ocorreuâ. Assim, os adultos devem ficar disponĂveis para poder responder Ă s perguntas das crianças, ouvir e pensar com ela sobre as questĂ”es que elas tĂȘm.
Para a psicopedagoga Ana Paula Barbosa, que tambĂ©m Ă© professora de psicologia e pesquisa o desenvolvimento infantil, Ă© fundamental que os adultos nĂŁo neguem Ă s crianças a possibilidade de sentir e se emocionar. Ă preciso que as famĂlias estejam dispostas para essa conversa.
âElas vĂŁo perguntar: âmĂŁe, o que estĂĄ acontecendo?â, âmorreram crianças?â” NĂŁo negue e nĂŁo se afaste. Acolha a criança e pergunte em que espaço ela ouviu aquela informação. EntĂŁo, traga a criança para perto. Perguntar o que ela estĂĄ sentindo e explicar o que Ă© o medoâ, pondera a professora do Centro UniversitĂĄrio de BrasĂlia.
A professora recomenda que Ă© possĂvel explicar que o medo Ă© um sentimento e que as famĂlias e as pessoas na escola estĂŁo trabalhando para cuidar da segurança dela.
Uma oportunidade, segundo Ana Paula Barbosa, para identificar que nĂŁo Ă© bom ser violento, mas que algumas pessoas utilizam a violĂȘncia.
âPodemos falar sobre o medo para criança externalizar esse sentimento de algum modo. Ela ainda estĂĄ em processo de desenvolvimento. Deixar claro para ela que, se a criança tiver medo na escola, pode chamar a professora, pedir ajuda, falar sobre os sentimentosâ.
AtĂ© porque, segundo a pesquisadora Danila Zambianco, da Universidade de Campinas (Unicamp), por vezes, o adulto causa mais temor ainda na criança, uma vez que potencializa algo que atĂ© pode ter passado despercebido. âĂ importante que as famĂlias deem espaço para as crianças falarem o que percebem e que elas expressem sentimentosâ.
Ao invĂ©s de inquirir a criança se ela sabe algo sobre a violĂȘncia, questionar se algo de diferente chamou atenção. âIsso quer dizer que Ă© necessĂĄrio que o adulto tome cuidado para nĂŁo julgar o que a criança trouxeâ.
As especialistas ouvidas pela AgĂȘncia Brasil avaliam que Ă© importante, tanto quanto a informação, respeitar quando crianças manifestarem desconforto em ir para a escola. Em continuidade a uma eventual falta, Ă© importante que os adultos responsĂĄveis indiquem que estĂŁo atentos a todas as providĂȘncias de segurança tomadas.Â
Segundo as pesquisadoras, os adultos também transmitem ansiedade e preocupação. E esses sinais são captados pelas antenas da sensibilidade das crianças.
Adolescentes
Embora consigam refletir sobre as crises de uma forma mais elaborada, adolescentes requerem tambĂ©m atenção bastante especial em relação ao que ouvem e recebem do mundo. âA gente ainda acha que o adolescente tem algumas capacidades a mais do que a criança, mas o cĂ©rebro do adolescente tambĂ©m estĂĄ em desenvolvimentoâ, pontua a professora Ana Paula Barbosa.
“Adolescentes vivem em meio a descobertas e chegam a registrar alguns episĂłdios de maneira tambĂ©m distorcida, idealizada ou atĂ© romĂąntica. Para lidar com o adolescente, nĂŁo se costuma utilizar componentes lĂșdicos. A gente vai ter que encarar uma conversa que traga alertas e possibilidades de riscos para que a pessoa compreenda melhor o que se passa.”Â
Outra providĂȘncia que adultos podem tomar Ă© chamar a atenção para que adolescentes nĂŁo satirizem os eventos, chamando-os Ă responsabilidade moral diante das notĂcias de tragĂ©dia. âQue tipo de humor Ă© esse que se faz por cima do sofrimento de algumas pessoas?â
Abandono digital
A exposição chega à sala de casa a partir da TV ligada ou do celular que alguém traz sempre à mão.
Paralelamente ao momento terrĂvel de violĂȘncia, Gina Vieira aponta que as crianças estĂŁo expostas a uma espĂ©cie de âabandono digitalâ.
âOs pais estĂŁo soterrados de trabalho. As famĂlias sobrecarregadas e as crianças muitas vezes estĂŁo entregues a dispositivos mĂłveisâ.
A psicopedagoga Ana Paula Barbosa orienta que os responsĂĄveis se aproximem das crianças e observem aquilo que elas estĂŁo olhando ou ouvindo. âAs notĂcias mais fortes devem ser evitadasâ.
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Ela enfatiza, entretanto, que isso não deve ser motivo para evitar o assunto porque as informaçÔes podem chegar deturpadas de outro lugar.
Essas distorçÔes via redes sociais sĂŁo perigosas, diz a professora Belinda Mandelbaum, pesquisadora do LaboratĂłrio de Estudos da FamĂlia, da USP.
“Ă preciso entender o que toda essa tecnologia significa para elas e poder mostrar tambĂ©m os riscos que estĂŁo envolvidos. Tudo aquilo que as crianças nĂŁo tenham ainda condiçÔes de enxergar.â
Essa aproximação em relação aos meios digitais Ă© papel da famĂlia e da escola, cada um com suas caracterĂsticas e responsabilidades. âAs crianças podem receber informaçÔes que podem ser muito perigosas. Elas precisam de adultosâ.
O papel das escolas
As pesquisadoras veem que os profissionais da escola devem ser participantes ativos para que crianças e suas famĂlias sintam que o espaço educacional Ă© acolhedor. âĂ importante que, como parte do diĂĄlogo com as crianças, as escolas estabeleçam diĂĄlogos. As famĂlias precisam se sentir parte da construção da cultura de paz no espaço escolarâ, diz Gina Vieira.
A professora Ana Paula Barbosa defende que um momento como esse impĂ”e que as unidades de ensino entendam que Ă© preciso investir mais em programas de saĂșde mental para todos.
âĂ hora de a escola rever alguns papĂ©is. NĂŁo pode mais ser apenas um espaço conteudista de matemĂĄtica, portuguĂȘs, geografia”.
Elas defendem que a escola é um espaço humano de desenvolvimento, de uma aprendizagem que não cai na prova.
AlĂ©m disso, as especialistas acreditam que o momento proporciona a reflexĂŁo sobre uma mudança no perfil das reuniĂ”es escolares. Mais do que tratar das notas dos filhos, pais precisam conversar com professores sobre a importĂąncia do diĂĄlogo, programas sobre diversidade e bullying.Â
âNĂŁo se faz milagre nas escolas. Ă necessĂĄrio equipĂĄ-las com mais profissionais de saĂșde mental. Isso que estĂĄ acontecendo mostra essa necessidadeâ, diz a professora Ana Paula Barbosa.
AdversĂĄria ao papel humano das escolas, hĂĄ, no entender das pesquisadoras, parcela da sociedade que espetaculariza e monetiza a violĂȘncia. âA gente fica chocado quando a violĂȘncia se apresenta na escola, mas estĂĄ espelhando o que estĂĄ acontecendo na sociedadeâ, diz Gina Vieira. Por esse motivo, ela defende que a escola tenha espaços garantidos de escuta e de discussĂŁo.
âA escola nĂŁo pode abrir mĂŁo da sua dimensĂŁo educativa em uma perspectiva de educação integral, humana e crĂtica que celebre a diversidade e a cultura de pazâ, diz Gina Vieira.
Para a professora Belinda Mandelbaum, Ă© necessĂĄrio aproveitar o momento tambĂ©m para fazer uma reflexĂŁo muito ampla sobre acontecimentos dentro das escolas. âTem muita violĂȘncia, maus tratos, comunicaçÔes violentas verbais e atĂ© agressĂ”esâ.
Na escola, diferente da intimidade do lar, a experiĂȘncia Ă© coletiva, ressalta Danila Zambianco, da Unicamp. âNa escola, Ă© tambĂ©m preciso ressaltar os espĂritos de cooperação e de solidariedadeâ.
Diferentemente do medo, generosidade e respeito são aulas simples de entender para as crianças e que os adultos podem ficar mais atentos.
Em resumo, pais e professores devem ouvir para poder orientar:
1 – Ă importante preservar as crianças, mas nĂŁo esconder, mentir ou fugir de temas como a violĂȘncia nas escolas;
2 – Crianças devem ser informadas que os adultos estĂŁo atentos Ă segurança delas;
3 – Fundamental que o adulto mostre-se disponĂvel para conversar;
4 – Adultos nĂŁo devem julgar os sentimentos dos pequenos (nem dos adolescentes);
5 – Observar e se aproximar das crianças para identificar o que estĂŁo recebendo via redes sociais;
6 – Importante nĂŁo potencializar um evento;
7 – Explicar que o medo faz parte da vida de todo ser humano e que as crianças sĂŁo protegidas pelos adultos;
8 – Pais e profissionais da educação devem estar mais prĂłximos para garantir a serenidade diante do momento;
9 – Adultos devem orientar adolescentes contra a satirização ou distorção dos eventos;
10 – Crianças devem ser incentivadas a se expressar, mas nĂŁo forçadas.
DenĂșncias
DenĂșncias sobre ameaças de ataques podem ser feitas ao canal Escola Segura, criado pelo MinistĂ©rio da Justiça e Segurança PĂșblica, em parceria com SaferNet Brasil. As informaçÔes enviadas ao canal serĂŁo mantidas sob sigilo e nĂŁo hĂĄ identificação do denunciante.
Acesse o site para fazer uma denĂșncia. Em caso de emergĂȘncia, a orientação Ă© ligar para o 190 ou para a delegacia de polĂcia mais prĂłxima.