Por Stiven de Souza/Rede Massa
Casas totalmente destruídas, alagamentos, quedas de árvores e famílias desalojadas. Este era o cenário do dia 24 de outubro de 1927 no município de Ponta Grossa, nos Campos Gerais. O Hospital da Estrada de Ferro, onde hoje fica a Fundação de Assistência Social (FASPG), não dava conta de atender os feridos. A tragédia se aprofundou quando uma jovem, de apenas 18 anos, não resistiu aos ferimentos causados pelo vendaval e morreu.
As informações são de notícias da época, veiculadas em jornais como os curitibanos O Dia e Diário da Tarde. Mas a magnitude do desastre também ganhou destaque em veículos de São Paulo, como o Correio Paulistano, e também na revista ilustrada do Rio de Janeiro, O Malho.
Segundo jornalistas que percorreram as ruas de Ponta Grossa após a tempestade, não apenas as casas de madeiras sofreram danos. Os ventos também danificaram imóveis de alvenaria. Um deles, na Rua Balduíno Taques. Era a casa de Souzipather Vianna, fiscal de Consumo do município, cargo equivalente a um auditor da Receita Estadual hoje em dia.
Os detalhes sobre os estragos foram noticiados por uma equipe do jornal O Dia, que se deslocou da capital paranaense até Ponta Grossa. A reportagem conta que a tempestade levou a janela da casa do fiscal junto com os tijolos. Na manchete, fotos cedidas pelos ponta-grossenses Alfredo Osternack e Octávio Guimarães dimensionavam os estragos.
De acordo com os relatos dos jornais da época, o ciclone atingiu principalmente a região central, conhecida então como parte nova da cidade. Imóveis das ruas Tiradentes, Coronel Bittencourt, Fernandes Pinheiros e outras vias famosas foram atingidos pelo vendaval. A Estação Roxo de Rodrigues, conhecida hoje como Estação Saudade, também teve danos por causa dos ventos e nem o Cemitério Municipal São José escapou da tormenta. O vendaval derrubou os muros do campo santo.
“Sem intuitos de fazer retórica, mas exprimindo simplesmente a verdade, podemos afirmar a absoluta impotência do idioma para descrever o desolador espetáculo que deparamos”, dizia o texto na capa do jornal lido pelos curitibanos no dia 27 de outubro.
“Por todos os pontos, os vestígios da passagem do ciclone impressionavam e comoviam. Palestramos com algumas vítimas da ocorrência e ficamos admirados do milagre que se operou naquela terra. Parece impossível que, diante do que sucedeu, o número de morots não eleve a centenas”, prosseguia a notícia de O Dia.
Morte de estudante da Escola Normal comoveu a cidade
Dois dias depois da tempestade, a cidade se comoveu em torno do velório e sepultamento da jovem Rosa Schimandero. Ela tinha 18 anos e estudava para se tornar professora no Curso Normal, onde hoje é o Colégio Estadual Regente Feijó.
Na tarde de 24 de outubro de 1927, o vendaval derrubou partes da casa onde ela morava e, em decorrência dos ferimentos, Rosa morreu. Segundo notícias da época, homenagens de colegas da turma marcaram a despedida da estudante. A comunidade escolar acompanhou o caixão da casa dela até o cemitério.
Ações solidárias socorrem vítimas da tempestade
A dimensão do desastre comoveu a comunidade de Ponta Grossa e região. Com apenas cinco anos de existência, o Centro de Comércio e Indústria de Ponta Grossa, que viria a se tornar a Associação Comercial, Industrial e Empresarial de Ponta Grossa (Acipg), lançou uma campanha para arrecadar donativos às pessoas atingidas pelo vendaval. A campanha teve início no dia seguinte aos estragos, com a formação de comissões responsáveis por arrecadar e distribuir as doações.
Um comunicado enviado pelo Centro Comercial aos jornais destaca a criação de quatro comissões para arrecadar doações. A primeira delas formada por Adalberto Carvalho de Araújo, Prisciliano Negrão, Augusto Justus e Alfredo Villela.
O segundo grupo era composto pelos empresários Oscar Borges, Ossian Madureira Correia, Therezio de Paula Xavier e Alfredo Osternack. Já na terceira e quarta comissão responsável pelos donativos estavam: Jurandyr de Oliveira, Dr. Paulo Leitão, Herculano Vidal, João de Paula Xavier, Alcides Bittencourt, Chede Buffara, Mário Nogueira e Michel Farhat.
Mas a corrente de ajuda para Ponta Grossa não ficou só na cidade. Com a repercussão do desastre em todo o país, grupos e empresas de outros municípios lançaram campanhas solidárias.
Em Curitiba, a Empresa A. Mattos Azeredo, que havia arrendado o Teatro Palácio em 1924, exibiu diversos filmes no local com a finalidade de arrecadar donativos a Ponta Grossa. Os cartazes destacavam que os espetáculos eram realizados em benefício dos ‘flagelados’ de Ponta Grossa.
Tempestade de São João Maria
Em 1927, sem o conhecimento meteorológico existente hoje, o fenômeno foi chamado de vários nomes: ciclone, tufão ou furacão. Pesquisas atuais, como as desenvolvidas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), confirmam que o fenômeno se tratou de um tornado.
A UEPG divulgou, recentemente, que a região Sul é a que mais tem incidência de tornados no Brasil. Na divulgação, o caso se 1927 é citado como “tempestade de São João Maria”.
O nome ficou popular por causa de uma lenda antiga de Ponta Grossa. A lenda é mencionada em uma crônica da professora Sueli Fernandes. Ela conta que, no início do século XX, o monge passou pelo município, onde pregou o Evangelho. Mas, aqui, ele teria sido destratado por crianças.
“Na rua alguns meninos costumavam fazer chacota de seus andrajos e, certo dia, arremessaram pedras sobre ele. Irritado, profetizou que aquelas pedras voltariam em dobro, que não restaria pedra sobre pedra na cidade”, escreve Sueli Fernandes.
A partir da lenda, a população começou a dizer que os desastres climáticos ocorridos nas primeiras décadas do século XX seriam a profecia de João Maria se concretizando.