O consumidor que vai ao mercado deve ter percebido mudanças na rotulagem nutricional dos alimentos: produtos altos em açúcar adicionado, sódio e gorduras saturadas apresentam uma lupa destacada na parte frontal da embalagem, além de informações mais claras na tabela nutricional. A alteração, que faz parte de uma determinação da Anvisa, fez com que as indústrias alimentícias precisassem se adaptar nos últimos meses para cumprir as novas regras.
Além de adequar as embalagens dos alimentos, algumas marcas reduziram a quantidade de componentes químicos para os produtos não apresentarem os rótulos frontais ou buscaram estudos e tecnologias para criar novas composições. O Massa News conversou com duas indústrias do Paraná para entender como foi este processo.
O que é a nova rotulagem nutricional?
A resolução da Anvisa da nova rotulagem é de 2020, mas a norma entrou em vigor 24 meses após a publicação, em outubro de 2022. As regras foram no mesmo sentido do que já era utilizado em países europeus e alguns da América do Sul, como Chile e Argentina.
Entre as mudanças, estão:
- tabela nutricional localizada em área de fácil visualização com letras pretas e fundo branco, para a informação ficar mais legível;
- declaração de açúcares totais e adicionados, do valor energético e de nutrientes por 100g ou 100 ml, para ajudar na comparação de produtos;
- número de porções por embalagem;
- rotulagem nutricional frontal em design de lupa para identificar o alto teor de três nutrientes: açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio;
- regras para inclusão de alegações nutricionais.
O nutricionista Jhonathan Andrade, professor do UniCuritiba, explica que um dos objetivos da nova resolução é fazer com que o consumidor possa ter informações mais claras do alimento que ele está ingerindo.
“Antes o rótulo era atrás, as letras eram pequenas, era difícil de ler e de entender. Idosos, por exemplo, não conseguiam ter a informação nutricional adequada por causa de nomes mais complicados. Açúcar era descrito como xilitol, sorbitol, sacarose”, afirma. “A ideia é que o consumidor possa consumir esse produto, porém de uma forma que ele saiba o que ele está consumindo, saber que uma alta quantidade de açúcar pode gerar obesidade e outras doenças, que quem tem hipertensão saiba que está consumindo sódio”.
Indústria reduziu quantidades de componentes dos produtos
A Frimesa, uma das maiores indústrias de laticínios e suínos do Paraná, passou pelo processo de adequação à nova rotulagem dos alimentos. Segundo Claudecir Antônio dos Santos, gerente de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da empresa, antes da norma ser aprovada pela Anvisa a Frimesa já buscava produzir alimentos que visavam a saúde dos consumidores, incluindo produtos “clean label”, ou seja, com menos aditivos químicos.
“Agora com as legislações, isso se intensifica. A gente buscou atender esses prazos, e como a gente já vinha trabalhando, para nós foi mais fácil fazer isso”, diz Claudecir, que ainda conta que a Frimesa foi uma das indústrias que participou do processo de contribuição para a criação da nova legislação. “Participamos da construção e contribuímos junto com outras empresas. Se entendeu por que isso era importante, acabou-se olhando os exemplos que deram certo e o que deu errado nos outros países, e já se colocou no Brasil uma forma para atender todos de maneira geral”.
As novas regras afetaram principalmente os produtos lácteos da empresa. De acordo com Claudecir, 23 categorias de alimentos e bebidas tiveram adaptação para reduzir açúcares, como achocolatados, iogurtes, leites fermentados e petit suisse. O Iogurte Bicamadas, por exemplo, teve redução de 30% do açúcar adicionado, enquanto a linha de iogurtes Zero Lactose teve redução de 20%.
Algumas linhas de requeijões, queijos e embutidos tiveram redução de sódio, enquanto outros lácteos e carnes passaram por redução de gorduras saturadas. Já os produtos que não tiveram alteração e tinham alto teor de algum componente na composição tiveram os selos incluídos.
Frimesa mudou composição de famosa linha infantil
O Friminho é o famoso personagem da Frimesa que dá a cara aos produtos da linha infantil, que incluem achocolatado, leite fermentado, iogurtes, petit suisse e mortadela. Com a mudança da rotulagem nutricional dos alimentos, toda a linha passou por reduções de componentes químicos.
Segundo Claudecir Santos, esse processo era ainda mais importante na linha infantil, já que a preocupação com a saúde deste público é maior. Para ter as reduções, foram estudadas formas de manter o aroma e o sabor que os consumidores já estavam acostumados.
“Se trabalhou um aroma natural nesse sentido de estar substituindo o açúcar. A gente tem essa tecnologia, que substitui ingredientes e ajusta produtos. Esse é um exemplo que a gente trabalha com algo que é natural e buscando que o produto final não perca nenhuma característica de sabor, nenhuma dessas experiências”, afirma.
O gerente de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Frimesa explica que o processo de alterar a composição de um alimento passa por uma série de etapas e pessoas que trabalham na indústria. Entre elas estão pesquisas iniciais que estudam conservantes alternativos ao sódio, por exemplo, equipes técnicas que empregam tecnologias para os produtos não terem alteração significativa no sabor e aroma e também os responsáveis por criar embalagens adequadas para cada tipo de produto.
“A gente entende que os níveis de conservantes, por exemplo, são necessários para o produto em si, mas eles têm limites, níveis que são aceitáveis para não fazer mal ao consumidor. Então olhamos no sentido benéfico ao consumidor, de trazer um produto que vai atender a validade que ele precisa, e ao mesmo tempo que não traga nenhum malefício. É uma busca incessante pela saudabilidade, ainda mais nos dias de hoje”, concluiu Claudecir Santos.
Novas regras impactaram pequenas indústrias
Grandes indústrias alimentícias contaram com uma ampla estrutura para as adequações da nova rotulagem nutricional dos alimentos, mas a realidade foi diferente para a DoubleFF – Culinária com Amor, formada pela engenheira de alimentos Fabiana Ribeiro e pela advogada Fernanda Centeno.
As duas mulheres, que tinham deixado as profissões para cuidar da família e filhos, abriram a empresa em 2021, após alguns anos fazendo receitas para os parentes e amigos. Hoje, a DoubleFF vende caldos, farofas e granolas feitas com ingredientes naturais e selecionados.
A indústria foi aberta pelas amigas em setembro de 2021. Elas investiram em embalagens com a logo da DoubleFF e as informações nutricionais alinhadas com a legislação vigente. Com a nova determinação da Anvisa entrando em vigor em outubro de 2022, novamente elas precisaram investir em novas embalagens e correr para ficar no prazo indicado pela agência reguladora.
Fernanda conta que, além do dinheiro investido, o processo foi longo e trabalhoso.
“Quando surgiu a questão da nova legislação, a gente também nem poderia adequar porque todas as matérias-primas que nos fornecem, todos os nossos fornecedores também tinham o mesmo prazo que nós para se adequar. Então alguns já saíram disparando com adequações e outros nos travando para a nossa adequação”, explica.
Produtos de ingredientes naturais também precisam de rótulos frontais
Alguns produtos da DoubleFF foram diretamente atingidos pela nova resolução da Anvisa. A farofa ficou pouco acima do limite permitido de sódio, por isso as empreendedoras reduziram a quantidade e conseguiram não alterar o sabor.
Mas os produtos mais afetados foram as granolas, que possuem oleaginosas. Mesmo sendo um produto natural, as oleaginosas possuem alto teor de gordura saturada, e por isso as embalagens de granolas doces e da granola de lemon pepper ganharam a lupa na parte frontal da embalagem.
“Às vezes, do nosso produto a pessoa não espera que tenhaselos. Só que não tem como não ter. De uma granola com castanha-de-caju, castanha do pará, você não vai conseguir reduzir a gordura, só se diminuir a qualidade que ela oferece”, afirma Fernanda.
Fabiana Ribeiro conta que os clientes assíduos da marca não deixaram de comprar os produtos por causa dos selos, mas que em algumas ocasiões ela e Fernanda explicam aos consumidores novos porque existem os rótulos.
“O que a gente desenha com o cliente é que a gente está enquadrado no selo por uma gordura saudável, que é a gordura natural, mas claro que se você comer esse pote inteiro, aí já não chega a ser saudável”, diz.
Mas apesar das grandes mudanças, trabalhos e gastos que as mulheres precisaram empregar para se adequar à nova legislação, estando em duas pessoas, Fabiana conta que a determinação da Anvisa é importante no cenário atual.
“Como toda lei nova, assusta, dá trabalho e dá gasto. Mas a médio e longo prazo, é uma coisa positiva, para cada vez mais a nova geração saber o que está ingerindo”, afirma.
Nova rotulagem nutricional dos alimentos tem foco na saúde do consumidor
Com a nova legislação, a Anvisa determinou um design de lupa para identificar o alto teor de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio, que deve ficar na parte frontal da embalagem.
O limite destes componentes varia se o alimento é sólido ou líquido, conforme mostra a tabela abaixo:
Alto conteúdo de | Alimentos sólidos e semissólidos | Alimentos líquidos |
Açúcar adicionado | 15 g ou mais por 100 g de alimento | 7,5 g ou mais por 100 ml de alimento |
Gordura saturada | 6 g ou mais por 100 g de alimento | 3 g ou mais por 100 ml de alimento |
Sódio | 600 mg ou mais por 100 g de alimento | 300 mg ou mais por 100 ml de alimento |
Para o nutricionista Jhonathan Andrade, professor do UniCuritiba, antes da nova legislação muitos consumidores poderiam nem imaginar que o produto que eles compram era alto em algum desses componentes, como é o caso do popular biscoito de água e sal.
“Ele é rico em açúcar, que é a dextrose. Então o diabético não poderia consumir, só que a população diabética achava que era um produto light, que era água e sal. E não, ele é alto em açúcar, só que o açúcar que era chamado na embalagem de dextrose, e aí as pessoas consumiam sem saber”, explica.
Jonathan afirma que muitas vezes as pessoas preferem comer produtos hiperpalatáveis, como hambúrgueres e ultraprocessados, que possuem grande quantidade de corantes, conservantes e acidulantes, do que alimentos naturais e saudáveis. A nova lei vem como uma alternativa para cuidar de um problema atual de saúde pública.
“A ideia da legislação é um rótulo consciente, para que a população coma consciente e que reduza esses produtos com alto teor, também obrigando a indústria a fazer produtos de qualidade para a população. É todo um esquema voltado para a saúde do consumidor”, diz.
O foco na saúde do consumidor foi o que motivou outros países que já aplicavam a rotulagem nutricional frontal a ter regras mais exigentes principalmente em produtos infantis, de acordo com a advogada e engenheira de alimentos Karla de Camargo Fischer.
“Há uma proibição de vincular produtos que tenham alto teor em açúcar, sódio e gorduras saturadas a personagens que chamam a atenção de crianças, porque eles não seriam produtos saudáveis ao consumo excessivo”, afirma.
A busca por uma alimentação mais saudável segue sendo foco de estudos que podem resultar em novas legislações no futuro, segundo a advogada.
Como está a legislação da rotulagem dos alimentos
A lei da nova rotulagem entrou em vigor em 2022, mas a Anvisa concedeu prazos para diferentes indústrias de alimentos adequarem as embalagens.
“A Anvisa ainda concedeu o prazo para que as empresas pudessem esgotar as embalagens que já tinham, para que elas pudessem ter esse esgotamento e não sofressem prejuízo”, explica Karla de Camargo Fischer.
Desde outubro de 2022, todos os novos produtos que entraram no mercado precisam estar com os rótulos já adequados. Os outros prazos de adequação determinados foram:
- outubro de 2023: produtos em geral que já se encontravam no mercado
- outubro de 2024: alimentos fabricados por agricultor familiar ou empreendedor familiar rural, empreendimento econômico solidário, microempreendedor individual, agroindústria de pequeno porte, agroindústria artesanal e alimentos produzidos de forma artesanal
- outubro de 2025: bebidas não alcoólicas em embalagens retornáveis, observando o processo gradual de substituição dos rótulo
A advogada explica que a Anvisa é a responsável por fiscalizar as empresas que não se adequaram dentro do prazo e também as embalagens novas que já estão no mercado.
“A Anvisa pode tomar diversas medidas, que iniciam com advertências, aplicações de multas até a suspensão ou retirada desses produtos e interdição do estabelecimento. Pode até gerar o cancelamento do registro do produto na Anvisa, caso não haja habituação à legislação vigente”, conclui.