SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Na última quarta-feira (22), a Polícia Federal cumpriu 11 mandados de prisão e uma série de diligências para desarticular um plano da facção criminosa PCC que estaria em andamento para atacar autoridades, incluindo o senador e ex-juiz Sergio Moro.
A PF afirma em pedido de prisão enviado à Justiça que o plano de ataque era iminente e que a facção monitorou locais onde o ex-ministro frequentava.
A operação dividiu o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Enquanto Lula e alguns assessores próximos acirraram a disputa com opositores ao sugerir, sem provas, uma “armação” de Moro no caso, outros aliados lamentaram a declaração do presidente e iniciaram uma operação para tentar corrigir o discurso oficial.
Veja a seguir o que se sabe até agora sobre o caso e seus desdobramentos políticos.
O que a Polícia Federal diz sobre o plano para matar Moro?
A Polícia Federal afirma em pedido de prisão enviado à Justiça que o plano de ataque do PCC contra o ex-ministro e atual senador era iminente e que a facção monitorou locais onde o ex-ministro frequentava.
Um dos locais monitorados foi o clube em Curitiba onde ele votou na eleição de 2022. As informações foram utilizadas como base na Operação Sequaz, deflagrada pela PF na última quarta-feira (22).
Qual a base dessa investigação?
Os investigadores iniciaram a apuração com base em depoimento de um ex-integrante do PCC que se transformou em testemunha protegida da Justiça de São Paulo.
Foi ele quem relatou o plano de sequestro do ex-ministro, posteriormente levado para os investigadores da Polícia Federal.
Na quarta-feira, a PF cumpriu 11 mandados de prisão e uma série de diligências para desarticular plano que estaria em andamento para atacar autoridades, incluindo Moro.
Quais as evidências que aparecem na investigação?
Segundo a PF, a quadrilha chegou a fazer um reconhecimento detalhado do local de votação de Moro. Esse levantamento incluía uma descrição das entradas, câmeras existentes no local, segurança e rota de acesso.
A investigação também encontrou imagens do prédio onde Moro vivia no Paraná no celular de um dos investigados. Segundo a PF, o plano do PCC estava em andamento desde o ano passado; em fevereiro, o desfecho era iminente.
Quem era o organizador desse plano?
Conhecido como Nefo, NF ou Dodge, Janeferson é apontado pela PF como responsável pela “organização, financiamento, planejamento e execução do sequestro/atentado” contra Moro.
Ele seria um integrante da Restrita 05, célula da cúpula do PCC. Entre outras informações, a PF mapeou como ele participou do aluguel de imóveis em Curitiba durante a execução do plano.
Uma dessas casas estava localizada entre o escritório de advocacia da deputada Rosângela Moro, esposa do senador, e um antigo imóvel da família perto da residência atual.
“Corroborando a iminência do plano, o principal investigado, de nome Janeferson e sua companheira de nome Aline Lima Paixão, realizaram mudança de residência no início do mês de fevereiro, buscando cadastrar todos os dados em nome de terceiros, notoriamente para tentarem ficar invisíveis quando do cometimento dos gravíssimos delitos”, diz a PF.
Qual a logística do plano criminoso?
As anotações do PCC apontam que o plano para sequestrar o senador previa custos de ao menos R$ 564,5 mil. As despesas envolveriam R$ 110 mil em fuzis e R$ 90 mil em dois carros, entre outros itens.
Na decisão que autorizou a operação, a juíza Gabriela Hardt cita que a “capacidade bélica dos criminosos é notória, tendo sido obtidas diversos registros fotográficos de armas variadas dentro de casas, sob móveis, indicando que efetivamente estão prontas para uso da organização criminosa.”
Entre os veículos que seriam usados na empreitada criminosa estava uma Mercedes blindada, aponta o inquérito.
Em outra anotação, havia o controle desses gastos como “apartamento, viagem, alimentação, combustível, aluguel de chácara, móveis para casa, veículos (Hilux), pedreiro para cofre (esconderijo para armas)”, entre outros.
Outra anotação encontrada nas investigações tinha informações pessoais do senador, como endereços, nome dos familiares, telefone, email da sua filha e informações da sua declaração de bens.
Por que Moro entrou na lista de decretados pelo PCC?
Um dos motivos para o ataque da facção seria a portaria assinada por Moro, quando ele era ministro da Justiça, que manteve a rigidez no sistema penitenciário federal. O documento foi assinado no mesmo dia em que chefes da facção foram transferidos de São Paulo para presídios federais, em fevereiro de 2019.
Moro foi ministro da Justiça do governo Bolsonaro, de janeiro de 2019 a abril de 2020.
Os motivos, porém, ainda são alvo de análise por parte de integrantes das forças de segurança de São Paulo. Isso porque, até o final de 2022, o nome do ex-juiz e senador pela União Brasil não constava de lista dos serviços de inteligência paulista sobre os “decretados”.
Isso enfraquece a tese de que ele poderia ter entrado na mira da facção criminosa por ter participado da transferência de presos ao sistema federal em 2019.
Segundo o promotor Lincoln Gakiya, Moro se tornou alvo do PCC justamente após proibir visitas íntimas aos presos no sistema penitenciário federal. “Moro é alvo destes criminosos por conta da portaria que ele baixou proibindo as visitas íntimas no sistema penitenciário federal. Isso realmente desagradou esses criminosos, não só do PCC, mas de todas as facções”, afirma.
Qual seria a origem desse suposto plano de ataque?
Integrantes do Ministério Público de São Paulo envolvidos na ação desta quarta (22) afirmam que o plano de ataque contra autoridades seria um desdobramento da ação investigada pela PF que resultou na operação Anjos da Guarda, no final do ano passado, que teria desmantelado um suposto plano de resgate de líderes de organização criminosa presos nas penitenciárias federais.
Como não conseguiram resgatar Marcola, o principal alvo do “plano A”, tentariam um “plano B”: atacariam e sequestrariam autoridades como forma de conseguir liberá-lo em uma “troca de reféns”.
Quem é o promotor na mira do PCC?
Um dos alvos do suposto plano de ataques do PCC contra autoridades brasileiras, o promotor paulista Lincoln Gakiya está no topo de uma lista de sentenciados à morte pela facção, os chamados “decretados”, segundo os serviços de inteligência do Governo de São Paulo.
Coordenador do principal grupo do Ministério Público de combate ao crime organizado, Gakiya assumiu esse posto em 2018, quando assinou os pedidos de transferência de integrantes da cúpula da facção para o sistema federal entre eles o de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como principal chefe do grupo.
Antes mesmo de o pedido ser acatado pelo Judiciário, os órgãos de inteligência do governo paulista detectaram a fúria de criminosos contra o promotor. Tal descontentamento ficou materializado em uma carta aprendida em dezembro daquele ano, com uma ordem da cúpula para matá-lo.
O que Lula disse sobre a operação da PF?
Lula fez uma ilação. Nesta quinta (23), disse achar ser “uma armação” do senador Moro o plano do PCC descrito pela Polícia Federal para atacar o ex-juiz da Operação Lava Jato.
“Eu não vou falar porque acho que é mais uma armação do Moro. Quero ser cauteloso, vou descobrir o que aconteceu. É visível que é uma armação do Moro”, disse o presidente.
“Mas isso vou esperar. Não vou ficar atacando ninguém sem ter provas. Acho que é mais uma armação. E se for mais uma armação, ele vai ficar mais desmascarado ainda. Não sei o que ele vai fazer da vida se continuar mentindo do jeito que ele está mentindo”, afirmou Lula.
O governo federal está uniforme em torno da ilação de Lula sobre Moro e a operação da PF?
Não. A operação da PF dividiu o governo. Enquanto Lula e alguns assessores próximos acirraram a disputa com opositores ao sugerir, sem provas, uma “armação” de Moro no caso, outros aliados lamentaram a declaração do presidente e iniciaram uma operação para tentar corrigir o discurso oficial.
Na avaliação deles, a fala de Lula fortalece Moro e recoloca o senador na posição de antagonista do mandatário em um início de legislatura no Senado em que ele tinha uma atuação apagada.
Horas após a declaração do petista, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) publicou vídeo em redes sociais fazendo questão de elogiar a ação da PF e do Ministério Público “por esse importante trabalho” e dizendo que a facção PCC tinha “graves planos contra a democracia brasileira”.
A verborragia de Lula no caso de Moro é uma novidade?
Não. Ele já acumulava uma série de gafes desde o período da pré-campanha eleitoral. Agora soma a elas nesta semana um palavrão em uma entrevista ao vivo e as ilações sobre a relação dos EUA com a Lava Jato e o que chamou de “armação” do senador e ex-juiz Sergio Moro (União Brasil).
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a verborragia do petista tem deixado o campo do folclore político e passado a preocupar aliados e integrantes do governo.
Qual o eixo da ilação de Lula?
Sem nenhuma prova, parte de seu entorno tem levantado dúvidas em reuniões privadas sobre o caso. Integrantes do Planalto apontavam haver coincidência demais no fato de a operação ter sido deflagrada um dia após o uso, por Lula, da expressão “foder esse Moro”; e que a juíza responsável pelo caso era Gabriela Hardt, que substituiu o próprio Moro nos processos relacionados à Lava Jato.
A versão alardeada por palacianos chegou a Dino e à PF, causando desconforto. O incômodo ocorreu porque toda a investigação foi feita durante o governo Lula, na gestão de Andrei Rodrigues como diretor-geral da corporação.
Quem é Gabriela Hardt, juíza que condenou Lula e autorizou ação contra PCC no caso Moro?
A juíza federal Gabriela Hardt, responsável pela ordem de prisão contra suspeitos de preparar um ataque contra Moro, atuou por anos ao lado do hoje congressista na 13ª Vara Federal de Curitiba.
Hardt inclusive sentenciou casos da Operação Lava Jato, incluindo o processo sobre reformas pagas por empreiteiras em um sítio frequentado pelo presidente Lula em Atibaia (SP).
Ela permanece na Vara Federal responsável pela Lava Jato, mas despachou no caso do PCC porque foi designada temporariamente para a 9ª Vara Federal de Curitiba em razão de férias de outra magistrada.
Em 2018, Lula foi interrogado por Hardt quando estava preso e chegou a se desentender com ela naquela audiência. “Se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema. Vamos começar de novo”, disse ela, na ocasião.
O que a juíza fez após a ilação de Lula?
Ela autorizou o acesso às decisões e pedidos da Polícia Federal relacionados à investigação sobre o plano do PCC de atacar Moro pouco depois das declarações do presidente sugerindo uma possível “armação” do ex-juiz da Lava Jato no caso.
A juíza, que substituiu Moro temporariamente na condução da Lava Jato na Justiça Federal de Curitiba, autorizou nesta quinta-feira (23) que a área de comunicação da Justiça Federal enviasse aos órgãos de imprensa que solicitassem os pedidos policiais e as decisões sobre prisões e buscas.