Inclusão produtiva: iniciativa de empresa muda a vida de pessoas privadas de liberdade

O Paraná tem mais de 400 empreendimentos que oferecem emprego para pessoas privadas de liberdade

Mais de 11 mil pessoas privadas de liberdade conseguiram uma oportunidade de emprego dentro do sistema prisional no Paraná em 2023. O dado representa um crescimento de 18,9% de trabalhadores em relação a 2022, segundo o Departamento de Polícia Penal do Estado do Paraná (Depen-PR).

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Foto: Marcelo Adriano da Cunha

As parcerias de empregabilidade entre o Depen-PR e empresas privadas beneficiam diversos detentos — que têm sua realidade transformada devido à contribuição dos empreendimentos.

Segundo Boanerges Silvestre Boeno Filho, chefe da Divisão de Produção e Desenvolvimento do Depen-PR, mais de 400 termos de cooperação fazem parte da parceria de empregabilidade no estado. “Nós falamos termo de cooperação e não ‘empresas’ porque às vezes as companhias têm duas ou mais unidades”, explica. 

Ou seja, o Paraná tem mais de 400 unidades de empreendimentos que oferecem oportunidades de emprego para as pessoas privadas de liberdade. Em Curitiba e Região Metropolitana, 45 termos de cooperação têm a parceria com o Depen-PR.

Empresa transforma a vida de detentos com oportunidades de emprego

A Tracz Móveis, empresa em funcionamento desde 2014, tem 20 pessoas privadas de liberdade com carteira assinada. A sede da companhia fica na Penitenciária Central do Estado – Unidade de Progressão (PCE-UP), no Complexo Penitenciário de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba.

De acordo com Felipe Cordeiro Tracz, dono da empresa, a parceria com o Depen-PR começou em maio de 2012. No início do projeto, a companhia se chamava Tracz Design, porém, em 2014, o empreendimento foi transferido para a Tracz Móveis.

A empresa conta com cerca de 40 funcionários. Do total de colaboradores na equipe, 20 são pessoas privadas de liberdade. A Tracz Móveis trabalha com vendas online e, a partir de julho, os clientes também poderão ir até a unidade para realizar suas compras. Segundo Felipe, a grande maioria dos detentos trabalha na companhia por aproximadamente três anos.

“O máximo de condenação que as pessoas que chegam na PCE-UP podem cumprir é de cinco anos. Então, alguns ficam até três anos ou mais trabalhando na empresa… alguns que estavam no semiaberto já ficaram por cinco anos”, conta Felipe.

O dono da empresa afirmou que a ideia da iniciativa, chamada Transformai, começou em 2006 — ano em que ele foi detido. “Fiquei preso por um ano, três meses, três dias e 11 horas. Foi uma experiência bem impactante para mim. Não tive o estilo de vida relacionado com crime […] mas Deus me deu a oportunidade de ser preso para refletir sobre o caminho para onde eu estava indo”, diz.

Seis anos depois, Felipe voltou para o sistema penitenciário para desenvolver o projeto e dar início ao seu pequeno negócio. O objetivo dele é contribuir com as pessoas privadas de liberdade para que elas tenham uma vida transformada. “Com a experiência que eu tive lá dentro, pude vivenciar tudo o que eles passam diariamente”, relata.

Além das vagas de emprego, onde os detentos se transformam em colaboradores, a companhia oferece cursos profissionalizantes de alto nível e certificação. Ainda, a empresa conta com vários eventos e treinamentos contínuos (como leitura, oficinas de inteligência emocional e palestras).

Importância da iniciativa na realidade das pessoas privadas de liberdade

De ajudante a gerente de produção: desde 2018, Tiago Garcia, que mora em Curitiba, faz parte da equipe de colaboradores da Tracz Móveis. Em 2020, ele saiu do sistema prisional de tornozeleira eletrônica e seguiu trabalhando na empresa.

Tiago conta a importância dessa oportunidade de emprego na vida dele: “Sou uma pessoa que veio de uma vida de vários anos no crime. Já fiquei preso […] agora eu tenho a minha família formada, minha esposa e filha. Fiquei muito tempo longe delas e hoje eu posso dormir e acordar ao lado das duas. Minha mãe também é infinitamente grata ao Felipe”.

Tiago se destacou em diversas áreas dentro da empresa, segundo Felipe. Ele revela que o ex-presidiário aprendeu desde solda, pintura e ainda em como mexer em máquinas complexas — ação que precisa de uma pessoa com grande nível de concentração. Como ele ganhou visibilidade neste setor, ele foi promovido no decorrer dos anos e, atualmente, é gerente de produção da companhia.

“Hoje eu tenho a minha estabilidade e, muito mais do que isso, tenho dignidade. Agora eu entro na penitenciária pela porta da frente”, diz Tiago.

A iniciativa da empresa de Felipe também beneficiou Willian Menezes Ramirez, morador de Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba. Ele começou a trabalhar na companhia em 2019.

“Lá eu comecei como ajudante de pintura e fui aprendendo coisas que eu jamais havia visto. Não tinha trabalhado em nenhum lugar neste ramo, não sabia nada”, conta Willian.

Após meses de trabalho, ele chegou ao cargo de mestre em pintura eletrostática. No fim de 2019, ele teve a progressão para o regime semiaberto com o uso de tornozeleira eletrônica e saiu da empresa para buscar novas oportunidades.

Atualmente, Willian trabalha em uma multinacional e está respondendo no regime aberto sem tornozeleira eletrônica. “Na empresa do Felipe a gente aprende bastante. Ele é focado em profissionalizar seus funcionários e isso é o que ajuda a conseguir bons empregos […] eu nunca fiquei sem emprego depois de ter passado por lá”, diz.

De acordo com o Felipe, a oportunidade de emprego para as pessoas privadas de liberdade faz com que elas enxerguem mais valor em si mesmas. “Muitas das pessoas que entram na empresa nunca tiveram uma experiência profissional […] com a oportunidade, elas entendem quais são seus dons, talentos e potenciais”, afirma.

O proprietário da empresa reforça, ainda, que as oportunidades de emprego fazem os detentos contribuírem também com as suas famílias. A mudança de mentalidade e do padrão de comportamento dos presos é uma das coisas mais importantes para Felipe. “Tenho visto muitas pessoas que transformaram suas vidas e que abriram seus próprios negócios. Pessoas que saíram de lá e continuaram se aperfeiçoando”, conta.

Seleção de detentos para as vagas ocorre através de cursos e treinamentos

Felipe, dono da Tracz Móveis, afirma que os detentos são selecionados para as vagas de emprego a partir de cursos e treinamentos. “Após os cursos, a gente avalia todos eles para ver quem se comprometeu e se dedicou. Daí escolhemos quem vai vir trabalhar com a gente”, conta.

Além disso, as pessoas privadas de liberdade passam por um curso de inteligência emocional. Depois, eles fazem atividades, grade de leitura de livros, treinamentos em diversas áreas e palestras. Todas as ações acontecem para, então, os detentos que se destacarem conseguirem uma vaga de emprego.

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Após ser admitido, o funcionário tem o benefício de remição de pena. A cada três dias de trabalho, diminui-se um dia de pena a ser cumprido, sendo que a maioria das iniciativas oferece um salário mínimo a eles. Dessa forma, a parceria traz benefícios financeiros, psicológicos, qualificatório e penal ao detento.

Segundo Boanerges Filho, do Depen-PR, as empresas que desejam participar do projeto de empregabilidade precisam indicar qual a unidade penitenciária que elas querem se instalar (interno) ou onde vão transferir os detentos para a companhia (externo).

“O segundo passo é o preenchimento de um um formulário. As empresas precisam apontar quantos presos elas vão querer, qual o tipo de ‘EPI’ que eles vão utilizar, enviar todas as certidões e também o contrato social”, diz o chefe da Divisão de Produção e Desenvolvimento do Depen-PR.

Para as empresas que optam por se instalar na unidade penitenciária, a seleção ocorre através de edital de chamamento. Já para os empreendimentos que desejam levar os detentos até a empresa, fora do sistema prisional, é necessária a realização de editais de credenciamento. Apenas empresas públicas e companhias com contratos fixos não precisam de edital, de acordo com Boanerges.

Ao oferecer oportunidades de emprego a pessoas privadas de liberdade, as empresas não apenas facilitam a reintegração social e econômica, mas também capacitam os detentos com habilidades e experiências essenciais para iniciar e administrar seus próprios negócios. A ação pode mudar a vida dos presos e resultar na criação de novas empresas, geração de empregos e estímulo à economia local.

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