Ele, pela alegria que lhe fora proposta, suportou a cruz

Imagino a imensidão que estava à sua frente, as irregularidades dos penhascos, os diferentes tons de verde que se estendiam no campo, um céu amplo e azul com a intensidade do sol em seu centro. Imagino elevando a cabeça aos céus, uma lágrima escorrendo em seu rosto, a dor percorrendo seu corpo e, mesmo ali, mesmo naquela situação, alguma espécie de alegria.

Foto: Freepik

Mas não se trata de uma alegria como imaginamos, uma alegria por enfrentar as pedras do caminho, de pisá-las mesmo com suas pontas afiadas, por ser digno do combate, de superar as dificuldades, de caminhar ao lado da justiça e do bom, de cumprir o dever.

Não parece que foi assim. Sua felicidade, naquele instante, no momento preciso em que diz a célebre frase ‘Pai, perdoa-lhes pois eles não sabem o que fazem”, era de outra substância, uma que em poucas vezes, ao longo da vida, nós a percebemos.

E ela é estranha de se pensar. Sinceramente, esse tipo de felicidade não parece ter sido feito para nós. É tão diferente de nosso mundo, tão revolucionária em suas qualidades que assusta. É disruptiva, contrária ao senso o comum, baseada além da inveja e da rivalidade, do medo de ser despedaçado e da dor do ressentimento em que atacamos os outros porque fomos atacados, e tomamos atos e decisões por algum motivo que já esquecemos.

É uma felicidade que parte do que Nelson Rodrigues, com o seu romantismo exacerbado, disse: o pecado vem antes da memória. O erro vem sem percebemos, a falsidade parece ser a verdade, a bondade se insinua ao nosso lado e a maldade se reveste como necessidade. E nos vemos obscuros, confusos, jogados em um mundo incompreensível e rancoroso. E então é preciso se defender. E é preciso atacar. E é preciso saber o certo e o errado.

Toda essa história de pão e vinho, de um Deus na terra, de amar ao próximo, assusta. Por isso suspeito que, para se acreditar nessa velha religião, não acho que é preciso de um salto de fé, mas de um ato de espanto: Ele perdoou. Ele nos ama. Assim mesmo, desse jeito.

Não tem nada a ver com um Deus enfurecido por não seguirmos Suas normas, ou porque a humanidade teria que pagar o preço; não, não, a questão é muito mais bela: Ele perdoou porque nós é que somos enfurecidos, nós é que estamos sedentos de sangue.

Ele abriu mão da vingança. Do rancor. Suportou a vergonha. Deixou seu espírito. E tudo isso, antes de nós. Antes de nossos erros e antes dos erros dos outros.

Partindo de uma alegria que mal entendemos, fez um gesto de amor que, no fim das contas, é o mais incompreendido, quando é ele mesmo a pura compreensão: perdoou.

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