O caranguejo-uçá é a principal espécie de crustáceo extraída para fins comerciais dos manguezais brasileiros, de acordo com dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). A captura ocorre ao longo de toda costa. Em todos os estados há um período de defeso, ou seja, a captura é proibida em época de reprodução. Mas no Paraná a lei protegendo a espécie permite a captura de dezembro a março, juntamente quando os caranguejos ficam totalmente vulneráveis ao sair da toca para acasalar.
A espécie já foi incluída na Lista Nacional das Espécies de Invertebrados Aquáticos e Peixes Sobreexplotadas ou Ameaçadas de Sobreexplotação do Ministério do Meio Ambiente. Isso significa que a captura da população é tão grande, em todas as idades, que reduz a biomassa, o potencial de desova e as capturas no futuro a níveis inferiores aos de segurança.
No litoral paranaense, a captura do caranguejo começa em dezembro e vai até perto do dia 15 de março. Duas portarias do Ibama estabelecem, entre outras coisas, tamanhos mínimos, prevendo multas e até prisão por desobediência às normas. Enquanto nos outros estados, o caranguejo pode ser comercializado a partir de 6 cm de largura da carapaça, no Paraná o limite mínimo é 7 cm. Mas praticamente não há controle e fiscalização. Um dos impactos é a redução do tamanho do caranguejo ao longo do tempo.
“A seleção por tamanho é descrita para qualquer espécie super explorada comercialmente. Quando se tira os grandes indivíduos da população antes deles reproduzirem, a genética não passa paras próximas gerações. Temos ouvido muitos testemunhos dessa redução no tamanho ano após ano, por parte de coletores e atravessadores”, conta a pesquisadora Cassiana Baptista Metri, do Programa de Recuperação da Biodiversidade Marinha (REBIMAR), da Associação MarBrasil.
Cassiana explica que a espécie demora de 4 a 5 anos para atingir a maturidade e pode viver pouco mais de 10 anos. “Quando se captura um animal de grande porte, ele levou até 8 anos para chegar a esse tamanho, e o crescimento é coordenado, quando um está maduro, pode ter certeza que os outros também vão estar”.
Não existe um histórico de dados estatísticos da captura de caranguejo, apenas iniciativas pontuais de pesquisa. Com isso, ainda não é possível confirmar cientificamente as mudanças físicas na espécie.
Mais do que um alimento, o crustáceo tem papel importante no ecossistema costeiro
Seu comportamento e suas condições de saúde estão sendo decifrados. Há caranguejos endêmicos, que só ocorrem em áreas de manguezal. Eles tendem a responder às pressões ambientais de várias formas. A composição das espécies, a quantidade e até mesmo os próprios tecidos dos caranguejos podem indicar a presença de metais pesados e outros contaminantes. “O caranguejo é bastante resiliente, aguenta muita bordoada, mas quando nos dedicamos a análises mais delicadas e complexas, encontramos indícios bem importantes, especialmente com o caranguejo-uçá, espécie mais comercializada e consumida no Brasil”, alerta Cassiana.
Os caranguejos-uçá são muito organizados e territorialistas. A espécie cava as galerias no manguezal e esse espaço é habitado por um único bicho. Nem para acasalar o caranguejo divide a casa. Mas na época reprodutiva, no verão, eles abandonam as suas tocas e se reproduzem todos juntos, em massa, em um fenômeno chamado de andada ou corrida do caranguejo.
Essa saída da toca não ocorre com frequência. A espécie espera ter uma luz, uma quantidade de chuva e uma qualidade da água bem específicas.
“É uma espécie arisca, super tímida, mas no momento certo todos saem da toca. Os machos brigam e disputam a fêmea. Logo após o acasalamento, ela sobe nos caules do manguezal e solta os ovos, em um momento super interessante. De dois a três meses as fêmeas ficam com esses ovinhos incubados e depois soltam na água”.
Como seres semi-terrestres, possuem uma câmara branquial e têm capacidade de resistir longos períodos fora da água. “Por isso vemos aqueles cachos de caranguejos vivos à venda”.