Teich diz que percebeu que não teria autonomia e cita cloroquina como motivo de saída

Por Maria Carolina Marcello e Eduardo Simões

Nelson Teich durante entrevista coletiva em Brasília

BRASÍLIA/SÃO PAULO (Reuters) – O ex-ministro da Saúde Nelson Teich disse nesta quarta-feira à CPI da Covid no Senado que deixou a pasta ao perceber que não teria autonomia, e citou discussões dentro do governo do presidente Jair Bolsonaro sobre o uso da cloroquina como um dos motivos para seu pedido de demissão.

Teich confirmou à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) o desejo de Bolsonaro de adotar a cloroquina como protocolo no tratamento da Covid-19, mas negou que tenha recebido uma ordem direta do chefe do Executivo para o uso do medicamento, que não tem eficácia comprovada contra o coronavírus e pode provocar efeitos colaterais.

“As razões da minha saída do ministério são públicas. Elas se devem, basicamente, à constatação de que eu não teria a autonomia e a liderança que imaginava indispensáveis ao exercício do cargo. Essa falta de autonomia ficou mais evidente em relação às divergências com o governo quanto à eficácia e extensão do uso do medicamento cloroquina para o tratamento da Covid-19”, disse o ex-ministro à CPI.

“Enquanto a minha convicção pessoal, baseada em estudos, era de que naquele momento não existia evidência de sua eficácia para liberar…. Existia um entendimento diferente por parte do presidente, que era amparado na opinião de outros profissionais, até do Conselho Federal de Medicina (CFM), que, naquele momento, autorizou a extensão do uso. Isso aí foi o que motivou a minha saída”, completou.

Ao responder comentário do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que considerou um erro o presidente Jair Bolsonaro fazer apologia à cloroquina, inclusive mostrando a caixa do remédio em lives, Teich reforçou a necessidade de cuidado sobre o tema.

“Eu acho que são duas situações distintas: uma é o presidente mostrar a caixa, por exemplo. E a outra é o remédio funcionar ou não”, afirmou.

Já em resposta ao senador governista Marcos Rogério (DEM-RO), que atuava na desconstrução, segundo ele, da narrativa que tentava criminalizar a prescrição do tratamento precoce, Teich negou ter recebido ordens de Bolsonaro ou de algum de seus ministros para instituir o uso de cloroquina.

Em outra ocasião, ao considerar “inadequada” a prescrição de medicação sem eficácia comprovada a esta altura, com as informações já obtidas sobre a doença, Teich reforçou a necessidade de se ater aos princípios científicos e à metodologia e a qualidade dos estudos.

“Se você for usar tudo que você acha que pode funcionar para todo mundo, você vai causar um mal enorme provavelmente”, afirmou.

REBANHO

Senadores oposicionaistas apostaram em perguntas sobre a cloroquina e também sobre a tese da chamada “imunidade de rebanho”, para apurar se Bolsonaro e seu governo apostaram nessa premissa.

O senador Humberto Costa (PT-PE) citou pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo segundo a qual, a partir de falas do presidente, decretos e atos normativos, o governo teria adotado a tese de enfrentar a pandemia permitindo a “transmissibilidade mais ampla possível para que fosse gerada a chamada imunidade coletiva, natural ou de rebanho”.

Embora tenha sustentado que, na época em que esteve à frente do ministério, a tese não tenha sido discutida ou colocada como estratégia, Teich evitou comentar o estudo, mas criticou a ideia da imunização por infeccções.

“Essa tese de imunidade de rebanho, em que você adquire a imunidade através do contato, e não da vacina, isso é um erro. Então, a imunidade você vai ter através da vacina, não através de pessoas sendo infectadas. Então, isso aí não é um conceito correto.”

Teich não chegou a completar um mês à frente da pasta e neste período, relatou, também não teve “muito contato” com o ministro da Economia Paulo Guedes. Afirmou, por outro lado, que também não teve qualquer discussão sobre dificuldades de orçamento para o ministério.

Indagado sobre seu sucessor no ministério, o general Eduardo Pazuello, Teich disse acreditar que o perfil mais adequado para comandar a pasta seria o de alguém com experiência em gestão em saúde.

Teich foi o segundo ex-titular da pasta a depor à CPI. Na terça, parlamentares da comissão ouviram o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, que foi o primeiro ministro da Saúde do governo, sendo demitido em abril do ano passado também por divergências com Bolsonaro.

Inicialmente, esta quarta estava reservada para a oitiva do ex-ministro Pazuello. O general, no entanto, informou à CPI que teve contato com duas pessoas que testaram positivo para Covid e, portanto, iria cumprir quarentena. Os depoimentos na CPI devem ocorrer de maneira presencial

CONFUSÃO

O depoimento de Teich chegou a ser interrompido e a reunião da CPI suspensa pela manhã, quando os ânimos se acirraram entre a bancada feminina e os senadores governistas Ciro Nogueira (PP-PI) e Marcos Rogério (DEM-RO).

A composição da CPI, formada a partir de indicações de lideranças partidárias segundo a regra da proporcionalidade, não incluiu mulheres entre os membros. Ainda assim, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), decidiu conceder direito às parlamentares de fazer perguntas aos depoentes, mesmo que não tenham a prerrogativa de voto ou de apresentar requerimentos pelo fato de não integrarem formalmente a comissão.

Presidente do PP e uma das principais lideranças do centrão, Ciro questionou a concessão de fala a uma das parlamentares, uma vez que não há previsão regimental. O clima ficou tenso e Aziz resolveu suspender a reunião por alguns minutos.

A CPI deve dedicar a quinta-feira à oitiva do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres.

(Reportagem adicional de Ricardo Brito)

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